sábado, 20 de julho de 2013

NO QUINTAL DE MINHA INFÂNCIA



NO QUINTAL DE MINHA INFÂNCIA
Raquel Teles Yehezkel
Ergo a mão ao cacho de acácia amarela
e coloco-o com cuidado na calçada,
completando um desenho na procissão de Corpus Christ.
Das sete janelas da casa
pendem forros bordados pela mãe,
presos em vasos plantados pelo pai.

À entrada, encontra-se uma parreira de uvas verdes proibidas,
guardadas das pequenas mãos famintas por novidades.
Um terreno vazio, ladeado de goiabas, figos e marmelos,
recebe uma vez ao ano as sementes de feijão e de milho,
e, em novembro, um peru que ali cisca junto às galinhas,
alegra com gluglus os dias contados nos dedos para o Natal
e a chegada dos irmãos que estudam na capital.

Da cisterna tira-se água para a horta –
chuchu, couve, hortelã, abóbora, mandioca...
Do meio do quintal até o fundo –
início da vastidão do mundo -,
bananeiras, mangueiras, incontáveis jabuticabeiras,
um cajueiro frondoso do qual se assa castanhas na brasa,
dois abacateiros de frente um para o outro
guardam um balanço que ainda hoje dá frio na espinha...
descobertas, amor, zelo, carinho.

Me criei num pedaço do gan éden,
meu pai, um homem muito ativo,
estudou em Viçosa agronomia,
tirava leite das vacas,
fazia queijos, plantava e colhia,
dava boas gargalhadas, enchia a casa de alegria;
cozinhava deliciosos guisados, uma mistura de tudo,
em caldeirão preto no fogão a lenha;
à meninada sempre a sua volta
contava histórias de aventuras,
escrevia e declamava poesias.
Minha mãe, professora primária,
uma mulher muito prendada,
fazia doces, bolos, biscoitos, cantava e cosia.
Bordava lençóis, forros de mesa, panos de pratos,
vestidos de rendas com tiras bordadas e cianinhas coloridas,
conduzia com braço forte a meninada e os deveres da escola.
Dizia, impressionada com a vida,
que não valia uma unha de minha avó Olímpia,
que costumava dizer que não valia uma unha da mãe dela!

Quando a vida me aperta,
busco em mim a fonte eterna
de ancestrais olímpias e clarindas,
e nesta linhagem guerreira,
no gan éden de minhas claras-auroras,
me encontro sempre em pé,
altaneira e valente,
ciente que dele, dona sou.







Às minhas tias, primas, sobrinhas e netas, descendentes de Clara, Aurora e Mãe Olímpia; às minhas avós Clarinda e Olímpia; a meus pais, Maria e Emídio; à meus irmãos: Telinha, Té, Temá, Lúcia, Pinha, Emidinho, Márica, Bel, Vavá, Berto, Goretti, Henrique, Eduardo e Marcus; a meus filhos: Elias, Ariel e Alon; à netinha, Sara Yehezkel, e aos netos que ainda virão. (Maio de 2013)

2 comentários:

  1. bom dia!
    Adorei seu conto.
    Se nao me engano ha 50 anos fomos vizinhos na Praca Lacerda, me lembrei muito do Humberto Quando deixou de usar muletas abs a tds hj quase 50 anos de SP.

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  2. Lindo, lindo, seu conto que é um canto, Raquel. Impressionado com sua inteligência e com sua sensibilidade, menina. -Não é sem razão que se decidiram por LIVRARIAS...Saiba de minha saudade de todos, todos.De minha saudade e de minha admiração, cada vez maior, tanto mais os conheço.

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