A casa ao pé da praça, silenciada.
Um muro a separa da vida. Diacronia.
Um dia, nela, a vida corria.
Na sala de jantar, minha avó sorri, alegre.
Meu avô já não está.
Mais que um retrato na parede, ele vive -
na memória de minha avó,
no nome de seus netos,
na solidez da casa que construiu para ela.
Minha avó, resignada, tateia
à luz ofuscante do meio-dia o caminho
entre a cozinha, a varanda e o quarto –
único caminho múltiplo.
Cada móvel guarda,
impressas sem pressa,
suas marcas – minha origem.
As memórias não são minhas,
são vozes de meu pai, de minhas tias,
de vidas silenciadas, sussurradas do passado.
Casa viva, morta-viva, encerra mil lembranças.
Meus avós na parede da sala.
À entrada, debaixo de um crucifixo,
na cadeira de couro esculpida pelo toque de seu corpo,
ela espera.
A serpentina no fogão à lenha esquenta água para o banho.
Na chaleira, a água ferve o café na hora da merenda.
Ouve-se o silêncio do sol se enterrando em terras estranhas
atrás dos montes, do cruzeiro da Praça
dos coqueiros, que choram as dores do indaiá.
Porta e alma sempre abertas
à espera de quem busca abrigo -
escancaradas de dia, cerradas de noite.
Aí não se ouvem palavras senão de amor –
por mais singular que seja o filho ou o neto.
Deitada em berço esplêndido,
apegada a Deus e às lembranças que se ausentam,
descansa no colo da noite que consome.
O lugar sagrado no leito de minha avó.
Clara-Clarinda. Jovem-clara. Alma clara.
Do travesseiro vê-se um pedaço do céu sem tempo,
o sabor da chuva, o cheiro da terra.
Um baú guarda os alvos lençóis.
Uma cômoda ostenta objetos sagrados:
santos e netos em porta-retratos.
Uma cadeira de balanço,
filhos à sua volta,
o descanso eterno, enfim.
Na casa da Praça, preso ao calor das paredes,
em silêncio gritante, o tempo descansa.
Os olhos cegos de minha avó –
nos móveis torneados pelo relar de suas mãos,
nos objetos intactos da cristaleira – ainda guiam.
Uma casa quente, congelada na Praça.
Você viu?
A presença de minha avó.
O entorno de minha família.
Imperfeita.
Perfeita no que é.
Agosto de 2006
À
meus avós, Clarinda e Belmiro;
A
meu pai, Emídio Teles de Carvalho;
A
meus tios: Aleluia, Zezinha, Maria, Alzira, Elza, Haydée, Joaquim, Geraldo,
Chiquinho e Aurora.
A
meus primos e irmãos, e a nossos filhos e netos;
A
todos que, como eu, cresceram nesta casa
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| Casa da Vó Clarinda 18.1.2020 Foto de Eduardo Guimarães |
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| Raquel Teles, 2014. No quadro, a fazenda dos Cocais, onde meu pai nasceu |










Emocionante!
ResponderExcluirAdoro seus textos!❣️
Moro aqui! Acho a casa linda! Agora lendo a poesia. É como se estivesse escrita na parede(da casa). Ela fala por si e só! Engraçado!... Aquela casa, me permita, é um pouco de todos nós, dorenses!
ResponderExcluirEliana Caetano Costa até arrepiei, quando vc disse que está casa é um pouco de todos, que estes versos é como se estivessem escritos naquelas paredes. Fico feliz que assim seja ❤ pois realmente é um patrimônio de uma época que se foi, se aproximando dos 90 anos de sua construção. E meu avô Belmiro Teles de Carvalho, que a construiu, é um dos muitos pilares das famílias fundadoras de Dores. Uma das 4 avós de meu pai era uma índia dessa região, a mãe da bisavó Carlota (avó do meu pai), esposa do meu bisavô Joaquim Teles de Carvalho. Obrigada!
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