terça-feira, 22 de novembro de 2022

Tremendão

Genial,

Descolado,

Vanguardista,

Amigo de fé,

Irmão,

Camarada.

É ele,

Erasmo Carlos,

Tremendão

Da nossa eterna

Jovem Guarda...

Sim, é preciso

Saber viver... 

❤️

"Existem várias formas de amor, 

e eu preciso de todas",

escreveu Erasmo 

em sua última postagem.

***

Raquel Teles Yehezkel

22.11.2022



terça-feira, 15 de novembro de 2022

A música de Bituca me leva sempre de volta pra casa

Milton Nascimento se despediu dos palcos em  "A Última Sessão de Música", em 13.11.2022 em Belo Horizonte, cidade em que Bituca começou sua carreira e onde se encontra o Clube da Esquina, que propagou suas músicas. Foi acompanhado no palco pelos amigos e 60 mil pessoas que cantaram com ele seus hits... Uma despedida em grande estilo e cheia de emoção.

Quando fiz 18 anos em janeiro de 1979, Maria Maria, nome de minha mãe, acabava de ser lançada por Milton Nascimento e o Clube da Esquina, enquanto eu terminava o colegial e me preparava para nova fase da vida. 

Naquele verão, ao invés de ir com a família pra fazenda em minha cidade natal, planejava viajar com uma turma de amigos para Búzios (RJ) e Meaípe (ES) - minha primeira viagem solo, mas que minha mãe não permitiria passeio assim sem os pais. Nunca havia dado trabalho em casa, era aluna aplicada, cheia de amigos e de vida, muito participativa na vida familiar e escolar, e bastante argumentativa para defender minhas ideias e assumir as consequências, mas naquele momento sabia que dizer a verdade me impediria de viajar. Assim, disse que viajaria para Guarapari com a família da Edelma, minha amiga e colega do colégio desde os 12 anos - vivíamos uma na casa da outra, ela, Dri (Adriana Tenuta) e eu. Como eu não costumava mentir e não tinha medo de enfrentar embates em casa, nem passou pela cabeça da minha mãe e irmãos, que eram muitos, tal possibilidade... 

E lá fomos pra Búzios, uns 20 jovens. Fui com Edelma, Zé Renato e Markim Preto no carro do Guixa; havia também os carros do Belleza, do Gordéu, do Renê e do Ronaldinho Tremendão, todos cheios. Ficamos na praia do Forninho, casa dos tios do Paulinho Belleza, única casa da praia, em cima de um morro à beira mar. A casa estava meio abandonada, sem eletricidade, o que tornou a experiência mais intensa e bonita. Havia a turma da manhã na praia e a das noitadas - metade da turma composta por músicos que bebiam do Clube da Esquina e dos bárbaros baianos - e eu, pra não perder absolutamente nada, fazia parte das duas. 

De lá seguimos todos pra Meaípe, onde uma parte da turma ficou acampada e outra, tinha casa lá, como o Pompo e Pigão, Ronaldinho, Marcinha, que serviam como suporte. Eu estava nas barracas... Imagina... um pão com queijo e uma média de café com leite pela manhã e um pf (prato-feito) de almoço-jantar. Dias de praia, violão e cantorias.

Pronto, estava batizada pra vida, e daí pra frente ninguém mais me seguraria rsrsrs Da telefônica central de Guarapari, com filas enormes, ligamos pras nossas respectivas famílias pra informar que tudo corria bem. Longe há tantos dias, sentia saudades de casa, arrependimento por haver mentido e uma imensa vontade de partilhar com eles a minha alegria, as minhas novas experiências e os novos amigos, que rapidamente se tornariam muito próximos, nos anos mais intensos e livres da minha vida - faculdade, turma e trabalho (aos 18 comecei a trabalhar na Leitura, com um intervalo de dois anos em que trabalhei na Alquimia, restaurante natural, point alternativo e cultural desse período). Sempre embalada pela música e discussões filosóficas, a Sapaiada, nome da nossa turma, se reunia diariamente, nas primeiras horas da noite, no murinho da rua Cláudio Manoel, entre Paraíba e Pernambuco, Rua em que muitos moravam - Rates, Couto, Salles, Tenuta, Cançado, meus primos Teles Baeta - incluindo os Ruas, parte do grupo Raízes.

Dessa primeira viagem, voltei feliz para casa, trazia na mala muita roupa suja e um cartão pra minha mãe, contendo a verdade sobre a viagem e a letra de Maria Maria, que cantei tantas vezes pra ela. É óbvio que sofri as consequências e que novas batalhas e conquistas vieram a seguir rsrsrs Vivi nesses anos um período intenso e fértil, com muita criatividade, música, shows, cinema, cultura, estudos, leituras, discussões filosóficas e experimentos. E sobrevivi rsrsrs 

É assim... A música de Bituca me leva sempre de volta pra casa...

Raquel Teles Yehezkel 

Israel, 14.11.2013.


Última Sessão de Música de Milton Nascimento, no Mineirão em 13.11.2022
Foto de Paulo Henrique Soares


Última Sessão de Música de Milton Nascimento, no Mineirão em 13.11.2022. 
Foto de Ana Maria Borges











sábado, 12 de novembro de 2022

Petah Tikva, Mercaz haAretz

Não é óbvio eu falar bem de Petah Tikva, pois meu senso crítico costuma apontar suas dificuldades e problemas. Tive no passado um apartamento em Ramat Hasharon, onde criei meus três filhos e ainda temos bons amigos, para onde nos mudamos em 2010 ao retornar do Brasil como toshavim hozerim, para meu filho caçula estudar ali. Mas neste retorno, com os custos de vida que aumentaram tanto no país, na hora de comprar apartamento optamos por nos mudar para Petah Tikva em janeiro de 2016 e ficar mais próximos de meus sogros, que envelheciam. O que no final se mostrou uma decisão acertada em termos de investimento e família, afinal meu marido havia ficado dezessete anos ao lado da minha família no Brasil e então era a minha vez de proporcionar a ele a oportunidade de ficar próximo a dele. Deus traçando caminhos... 

Petah Tikva mistura o velho e o novo, a tradição e o moderno, com um dos maiores parques tecnológicos do país, com grandes empresas multinacionais ali locadas. Uma cidade democrática em que cabem os ashekenazitas halutzim / pioneiros que fundaram a cidade nos brejos, os sefaraditas como seus sogros, haridim e hilonim, refugiados negros e trabalhadores orientais da atualidade. Que cabem os bairros chiques de Neve Oz e Kfar Ganim, os modernos de Em Hamoshavot com sua população de familias jovens - força motriz deste país, e aqueles em volta do shuk / mercado ou nas periferias que, em pleno vigor e valorização da região central (mercaz de haaretz) se transformam em bairros alternativos, com qualidade de vida. 

É uma das poucas cidades que possui um shuk forte, cheio de vida e de ofertas ao seu redor, o que faz com que seus moradores sejam exigentes com preços e seus shoppings, com as melhores lojas do país, ofereçam melhores preços, como o Kanyon Hagadol, o complexo Yachin Center & BSR, um dos mais bonitos a céu aberto, com ótimos restaurantes italianos, japoneses, israelis, cervejarias. 

Para as crianças, o sistema de ensino nacionalmente reconhecido, o qual formou as primeiras gerações do país, conta com escolas tradicionais como a de segundo grau Amal e a Hess de primeiro grau, a dati-mamelahti Nezah Israel contrapondo às modernas de Em Hamoshavot: Ehud Manor, Arik Einstein, Uzi Hitman. 

Para as crianças, tem um mini- zoológico, um estádio de futebol, country clube, uma excelente biblioteca pública, um ativo Yad Labanim e Museu de Artes e muitos parques novos. 

Para quem quer ter uma vida ligada aos costumes religiosos, há bairros inteiros com uma grande população religiosa, sinagogas para todos os gostos e a infraestrutura necessária a este modo de vida. Por incrível que pareça, em toda a região central da cidade, a entrada do Shabat ainda é anunciada por meio de tzefrá (sirene) pública, algo que eu adoro, pois logo se faz sentir a mudança no clima de sossego que passa a reinar por ali. O que não impede que os jovens saiam da cidade rumo a Tel Aviv por meio do serviço de monit sherut 24h que saem da praça da Prefeitura, via Jabotinsk, até Tel Aviv. 

Na periferia da região metropolitana, a algumas centenas de passos de Tel Aviv, a cidade está diretamente ligada às principais rodovias do país, 4, 5, 6, 471, 40, possui estação de trem ligada a Tel Aviv e à Universidade, trem de superfície para Tel Aviv - Bat Yam, via Bnei Brak, a ser inaugurado em breve, e diversas linhas de ônibus em todos os sentidos, inclusive para Jerusalém, que fica bem próxima. O aeroporto Ben Gurion se encontra a 20 minutos do centro da cidade.

O campus Medical Center Rabin engloba hospitais de renome como o Beilinson, o oncológico Davidoff, o infantil Shnider, o ortopédico Hasharon e outros. 

Tem também beit-avot ironi e centros de atividades para gil hazahav. 

E o que não é pouco, todo cidadão local tem direito a kvurá gratuita. 

Mas por ser uma cidade grande e de população diversificada é bom ter um corretor na hora de alugar ou de comprar um imóvel, ou um amigo morador que auxilie na escolha. 

Ah e o que eu realmente curto é a pista de caminhar e de bike, que liga a cidade até o Parque HaYarkon em Ramat Gan.

Raquel Teles Yehezkel 

Petah Tikva 12.11.2022

Cyber Park Petah Tikva


Intel Petah Tikva

Rabin Medical Center Petah Tikva- vista parcial

Parque Kanion Hagadol e Em Hamoshavot

Mini-zoo Petah Tikva


quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Seu nome é Gal

Vai-se a Diva,

vai-se um símbolo,

vai-se um tempo,

vai-se um grande pedaço da MPB,

vai-se parte de uma geração brilhante,

vai-se algo muito bom,

vai-se parte de um amor,

de sonhos,

de vivências embaladas por esta musa inspiradora de muitos...

Perda maior em tempos de tecno, de fakes, e batidas pesadas,

vai-se o suave,

o afinado,

a perfeição do som,

da voz.

Triste que seja assim...

Doce Gal,

Doce Bárbaros,

Doce voz,

Doce pessoa,

Doce tempo.

Vai-se indo... 

Se esvaindo...

Triste que seja assim...

😢😢😢

Raquel Teles Yehezkel 

Israel 9.11.2022


Foto de Debi Barzellai : Gal Costa em Israel, 1996

Foto de Debi Barzellai : Gal Costa no Muro das Lamentaçõe, Israel, 1996






quarta-feira, 14 de setembro de 2022

Um email de amor

Hoje recebi um email -

parte dos amores em pedaços do meu livro

dando frutos, 

proporcionando novas vivências. 

Por isso escrevo, 

para congelar pedaços da vida, 

de amores vividos e repartidos. 


Hoje recebi um email. 

Um email sensível, 

que compartilhava comigo

pedaços de mim mesma. 

Que me emocionou à lágrimas. 


Nele havia muito. 

Partes de mim, do autor, 

de minhas irmãs, de minha mãe, 

de minha casa, 

de memórias coletivas de um tempo 

em que eu descia e subia ruas e ônibus 

a caminho da escola e da vida. 


Hoje recebi um email. 

Um pedaço de amor.

****

Fri 9/9, 1:21 PM

Para: Raquel Teles Yehezkel

Gostei do seu livro, biográfico e também de memórias. Um livro íntimo, com particularidades e histórias de seu pequeno e infinito universo como pessoa e mulher!      

Achei como em uma mistura de receita, você enquanto escritora, uma porção de Cecilia Meireles e uma porção de Clarice Lispector, numa combinação muito interessante. Para mim coloquei em destaque os textos que fazem o livro (Maria Maria, Presente de vida, Tupis esquina com São Paulo). 

Conheci a senhora Dona Maria Teles no Retiro do Chalé, ainda estava com a saúde estável e muito consciente, sempre em silêncio mas agradabilissima. 

Conheci a Mariteles ou a Telinha também no Retiro do Chalé numa tarde agradável de conversas onde ela serviu um delicioso cachorro quente com suco, tudo feito por ela. 

Saí do anexo Colégio Estadual Gameleira e fui para o Colégio Central estudar o científico à tarde. Com o passar dos meses já identificava os estudantes que iam no ônibus linha Lourdes para o Estadual Central na rua Rio de Janeiro e também no retorno na Av do Contorno para a volta até o centro de BH. Notei uma menina, não era uma jovem, era muito nova, sim era uma adolescente, muito branca, muito loira, das bochechas rosadas e vermelhas e dos olhos azuis, menina muito linda. Com o passar dos meses vi que era irmã de uma colega do científico de nome Goretti e logo fiquei sabendo do seu primeiro nome, Raquel. Esse tópico do livro “Amor em pedaços”: (Tupis esquina com São Paulo) diz muito sobre meus momentos nos idos de 1972 e 1973. Suas lembranças perfeitas do entorno do apt em que você morava, e várias vezes te via descer ali na rua São Paulo e ir para o edificio Moreira, guardo ativas na memória e fechando os olhos vejo aquela menina adolescente, igual da época em que eu tinha 18 anos. 

Essa menina linda de nome Raquel tornou escritora e uma mulher muito linda e educada e que vai fazer sucesso como escritora! Parabéns pelo seu livro, estarei novamente em seu outro lançamento, do seu próximo livro! É só me avisar. 

Angelo  Goulart

****

Algumas vezes encontrei Ângelo com minha irmã na casa de nossa mãe no Retiro do Chalé.

Sentia que o conhecia do passado, mas sempre creditava essa sensação ao fato de ter sido colega de minha irmã na juventude. 

Lendo seu email carinhoso, veio-me a certeza de que o conhecia de outro passado. Aquele jovem alto, magro, bonito, moreno de olhos profundos, ficara gravado em minha memória desse tempo que ele descreve, como meu contemporâneo de vivências comuns nas caminhadas da vida. 

Hoje recebi um email,

um email de amor. 

Raquel Teles Yehezkel

Tel Aviv, 14.9.2022

Com Ângelo Goulart no lançamento do meu livro Amor em Pedaços, 
na Leitura BH Shopping em 8.8.2022 


terça-feira, 23 de agosto de 2022

Uma mesa, um piano e um altar

Há como medir o valor de uma mesa, um piano, um altar caseiro, pessoas acolhedoras, álbuns de família onde você se reconhece como parte (pequena que seja) dessa história, um sorriso largo, um otimismo que contagia e uma mão carinhosa que cuida? Maria Estela Moreira Rates, mãe da Zaninha, Tom, Sil, João e Nein, esposa do Silvério-Veveco querido. 

Moravam ali na Claudio Manoel, entre Pernambuco e Paraíba, entre os apartamentos dos Couto, dos Teles Baeta (meus primos) e dos Ruas: uma confusão de meninos, ainda na minha adolescência. Na casa ao lado do prédio, os Salles; nas transversais, os Tenuta de um lado, os Cançado, do outro, os Fonseca na Paraíba logo acima, e os agregados que ali se juntavam, vindos dos quatros cantos de BH. Nessa confusão de jovens, a casa dela foi sempre um porto pra a Sapaiada, nossa turma que se juntava na Rua Cláudio Manoel, no murinho em frente ao prédio deles. 

Mãe de amigos, se tornou mãe-amiga de todos, tantos foram os momentos preciosos que partilhamos na casa dela... ♥️ 

Raquel Teles Yehezkel 

11.8.2022

De férias no Brasil, fui visitar dona Maristela... Fui levando comigo minha sobrinha Marina, pra aprender um pouco de vida... Ela é aluna, na Medicina, do Sil - imagina, mundo pequeno...

Combinei com Maristela que no ano que vem, "bli neder", vou acompanhá-la na festa dos congadeiros de Paraopeba... 

Que Deus me permita.













terça-feira, 16 de agosto de 2022

לאמא היקרה

חמתי היתה מיוחדת, ייחודית.

חמתי היתה אצילית, חכמה, דעתנית, רחמנית.


היו לה מילים מתאימות לומר לכל אחד בכל סיטואציה באשר היא.

אהבה מוזיקה וסרטים.

אהבה את המדינה ובפוליטיקה העריצה במיוחד את מנחם בגין ובנימין נתניהו.

בעיקר אהבה את היהדות ואת היהודים כעם, מכל העדות, עם כל השוני שביניהם.

ומעל הכל אהבה את משפחתה.


למדתי ממנה הרבה.

לערוך שולחן בנוסח עיריקי,

לא להתייאש ולהמשיך הלאה,

לתת מתנות בעלות ערך,

לתת ולא לקבל,

מוסר עבודה, מהמטלות הקטנות והפשוטות עד לגדולות והמורכבות ביותר,

לעשות מה שטוב לנפש מבלי להזניח 

את ההתחייבויות היומיומיות.

 

היתה לה אמונה עמוקה ביהדות שנובעת מבפנים 

בטבעיות, מבלי להתאמץ.

היתה לה איכפתיות אמיתית לזולת.

הייתה אישה שומרת מסורת, ויחד עם זאת אישה מודרנית. 

הייתה תמיד מטופחת ויפה. גם היא וגם ביתה - באותה המידה.

דרשה הרבה מעצמה לכן דרשה גם מהשני.

בעיקר היתה טובת לב וצדיקדה בטבעותה, 

מודל ראוי לחיקוי לכולנו ולדורותנו הבאים שגאים להיות צאצאיה ומשפחתה.


זה קל לדבר על אהבה לאמא, לסבתא, לדודה, לבת דודה לחברה טובה, נדיר יותר לדבר על אהבה אמיתית לחמות. אבל אני יכולה בקלות להעיד על כך.

הייתה לי חמות חמה, שהעניקה אהבה לכל משפחתה, הקרובה והרחבה, אחד אחד.

אהבה לבשל ולערוך שולחון מזרחי עם הרבה שפע. מי שאכל מתוצרת ידיה לא ישכח את החוויה הזאת לעולם, היתה דואגת לבשל לכל אחד לפי טעמו,

אישה מלאת חיים ונתינה.

ובחרתי לקרוא לה אמא כי כך קיבלה אותי במשפחתה - כבת.


היתה לי זכות להיות קרובה לאישה הטובה, האצילית, החכמה מאוד והרחמנית במיוחד.

ובמקום לקרא לה חמותי, היתה לי הזכות לקרוא לה אמא.


נדרה יחזקאל בת רגינה ויוסף ששון,

"רבות בנות עשו חיל ואת עלית על כולנה"  

יהיה זכרה ברוך לעולם ועד

רחל יחזקאל

15.8.2022

שנה מעת פתירתה


Nadra Yehezkel 
bat Regina and Yossef Sasson
נדרה יחזקאל בת רג'ינה ויוסף ששון ז"ל
נלב"ע י"ט אלול תשפ"א


Parte interna da cobertura, pronta para receber o rolo do Sefer Torá

Cobertura do rolo da Torá em nome da minha sogra: Nadra bat Regina

Finalização do Sefer Torá em nome da minha sogra, Nadra Yehezkel 

Desfile do novo Sefer Torá doado por Meir Yehezkel à sinagoga Eli Cohen em Petah Tikva

Shlomo, Avner e David (sobrinhos)

Família Yehezkel: Aviad (neto), Meir (esposo), Ofer (filho), Nissim (filho) e Eliyahu / Elias (neto)
Sinagoga Eli Cohen, Petah Tikva








sexta-feira, 5 de agosto de 2022

Marc Chagall em exposição em Brasilia

Sem dúvidas, em tudo há a mão de Deus! Passei apenas dois dias em Brasília e por incrível conjunção do destino encontrei por lá Marc Chagall!!! Sim, Marc Chagall em gravuras, litografias e alguns óleos expostos no CCBB! Era um sonho meu ver Chagall, e assim Deus me conduziu ao sonho. Nem se eu planejasse seria tão perfeito...  Acompanhada pelo primo Luis Otávio Telles Assumpção, sociólogo, professor da UnB, que gosta de poesia, artes, Rosa, cinema, e pela prima de coração Celeste, amigas de longas vivências, flutuamos, os três, entre fábulas, shteitls, narrativas bíblicas, sonhos, amores, cores, lirismo, surpresas. 

Verdade, esperava ver mais quadros, mais coloridos - na maioria eram litografias - e em preto e branco. Muitas ilustrações para as fábulas de La Fontaine, que, na minha ignorância, nem sabia que ele havia ilustrado fábulas - depois, pensando bem, tem tudo a ver com ele e a vida no shteitl. A exposição não pode ser fotografada, então colhi na Internet imagens de alguns quadros que estão no catálogo da mostra.

Outra vez a mão de Deus e lá conhecemos o coordenador da exposição, Leonardo, que nos aconselhou uma visita guiada, e assim tivemos a honra de sermos guiados pelo jovem Vinícius, formado em História da Arte! Perguntei a ele se Chagall pertencia ao surrealismo e ele disse que ele passou por várias tendências sem se prender a uma apenas. Ao final, uma bela surpresa: a releitura da obra de Chagall pelo artista Daniel Wurtzel, que em uma instalação de vidro, colocou dois lenços grandes flutuantes voando em formas e cores variadas, como a obra de Chagall! 

E, para completar, um passeio pelos jardins, entre obras em aço de Almícar de Castro e labirinto colorido de Helio Oiticica.

Chagall era judeu, teve vida longa (1887 - 1985) suficiente para passar desde os preconceitos e violência dos tempos de pogroms, da Revolução de 1917 na Rússia, da II Guerra, pela doença e a perda de sua primeira esposa, musa maior de seus quadros (Bella Ronsenfeld) até por uma Paris florida, romântica e colorida, que o acolheu no pré-Guerra e onde morreu. Nasceu em uma família judaica numa pequena aldeia - shteitl - da Rússia, atual região da Belorússia, estudou em São Petersburgo, depois se estabeleceu na França. Teve dois filhos: Ida (de Bella) e David (de Virginia).

Sua obra é marcada por cenas da aldeia / shteitl natal e seu modo de vida simples, rituais de casamentos e festas judaicas, animais metamorfoseados - principalmente asnos e galos - cores, flores, desenhos superpostos em cenas variadas, com pessoas e coisas que flutuam pelo ar com leveza. Além de retratar La Fontaine, cenas do cotidiano no shteitl, cenas oníricas, cenas bíblicas - especialmente do Êxodus - retratou sobretudo o amor. Marc Chagall em "Sonhos de Amor" esteve em Brasília, no CCBB (projetado por Oscar Niemeyer), entre julho e setembro de 2022.

"Eu apenas abria a janela do meu quarto e o ar azul, o amor e as flores entravam com ela." (Marc Chagall sobre sua esposa Bella e Paris)

Raquel Teles Yehezkel 

Brasília 2.8.2022

Marc Chagall em exposição no CCBB em Brasília 

Pintura de Marc Chagall do catálogo da exposição do CCBB 

Com os primos Luís Otávio Telles Assumpção e Celeste Passos

Obra de Chagall, do catálogo da exposição no CCBB 

Instalação de Daniel Wurtzel que dialoga com a obra de Chagall

Obra de Helio Oiticica no jardim do CCBB 

Obras de Almícar de Castro no Jardim do CCBB 

Vista parcial do CCBB Brasília, projeto de Oscar Niemeyer 


Introdução de (novo) livro da Torah na sinagoga Eli Cohen de Petah Tikva

 "Alegrem-se e regozijem-se com a "Introdução de (novo) Livro da Torah / Hahnassat Sefer Torah" na sinagoga Eli Cohen de Petah Tikva: pela elevação da alma de Nadra bat/ filha de Regina e Yossef" - está escrito no convite - em tradução livre.

No dia 15 de agosto de 2022, completa-se, pelo calendário judaico, um ano da passagem da minha sogra, Nadra Yehezkel, z"l (abençoada seja a sua memória), data que marca o fim do luto de seus filhos. 

Para esta ocasião, meu sogro, Meir Yehezkel, que tenha vida longa, vai doar à sinagoga que frequentam, em nome da esposa, para a elevação de sua alma, um novo rolo da Torah (Biblia) - pela saúde dele, de seus filhos e seus descendentes. 

Um rolo grande da Torah, sempre escrito à mão e coberto por uma armação decorada, é algo muito caro, em torno de pelo menos 45.000 dólares. A "Introdução" de um novo rolo da Torah na Sinagoga não é algo corriqueiro e gera uma grande festa e muita alegria para a comunidade que a recebe. Ela deve ficar completamente pronta no dia do evento a que é dedicada, sendo a(s) última(s) palavra(s) escrita(s), de forma comemorativa, na presença dos convidados. Então, o rolo é introduzido numa capa ou em uma armação metálica já pronta. Acima dela há uma coroa simbolizando que a Torah é nosso Rei. Por dentro da coroa, de um lado, está escrito: "Pela elevação da alma de Nadra, filha de Regina e Yossef"; do outro lado: "Pela vida de Meir Yehezkel (esposo), de Rachel, Nissim, Ofer, Naomi (filhos) e todos os seus descendentes". 

Neste folheto está o convite aberto à comunidade para festa de "Introdução de (novo) Livro da Torah" na Arca Sagrada da sinagoga Eli Cohen de Petah Tikva, frequentada pela família, e também para o serviço religioso e o seudat mitsvá.

O convite enumera os convidados de honra: 

- O rabino-chefe de Petah Tikva, Yonathan Edward;

- o rabino da sinagoga Eli Cohen, Yakov Salhov; 

- o rabino Eliyahu Yehezkel, neto da falecida (meu filho Elias);

- o prefeito da cidade, Rami Grinberg;

- o vice-prefeito Eliyahu Ginat;

- o chefe municipal para assuntos religiosos, Reuven Yossofov.

Para a passagem do cortejo, a prefeitura fecha o trajeto que liga o local de onde deve sair a Torah - casa dos meus sogros - até a sinagoga, a três quarteirões dali. 

Como uma noiva, a Torah é conduzida à sinagoga debaixo de uma hupah (um dossel ou pálio nupcial), carregados, a Torah e o pálio, honrosamente e com muita alegria, pelos convidados, familiares e amigos homens acima de 13 anos. 

À frente do cortejo vai um carro com pisca-pisca de luzes coloridas, tocando músicas litúrgicas, enquanto convidados e transeuntes caminham atrás comemorando com cânticos e muita alegria a chegada de um novo Livro da Torah à sinagoga. É uma grande festa. Algo parecido com o regozijo de um pequeno trio elétrico dedicado às palavras de Deus - a Torah. 

Após o serviço religioso da noite, é servido pela família, no salão da sinagoga, um "seudá mistvá"/ um "banquete" a todos os presentes, marcando o fim do luto, conforme prescrito. 

Nadra Yehezkel, filha de Regina e Yossef Sasson, filha, esposa, mãe, avó, bisavó, tia, minha sogra amada e dedicada à família, seja abençoada a sua memória hoje e sempre, a guardaremos eternamente com muito amor e gratidão por tudo que fez por cada um de nós.

Raquel Teles Yehezkel 

Belo Horizonte 5.8.2022

Meu sogro, Meir Yehezkel 

Convite para a "Entrada de novo Livro da Torah" pela elevação da alma de Nadra Yehezkel filha de Regina e Yossef Sasson, na sinagoga Eli Cohen, em Petah Tikva, Israel.

Imagem do interior armação na qual será introduzida o no Livro da Torah





domingo, 3 de julho de 2022

Marcus Teles

Marcus meu irmão é um anjo. O caçula dos quinze irmãos. O dia que ele chegou ao mundo é inesquecível pra mim. Eu tinha 5 anos e segurava a mãozinha dele tão pequenina. Fui sua madrinha de representação. 

Nasceu com muitos dons - lindo, inteligente, decidido, bondoso, animado. Do rabo à cabeça da turma, do último tornou-se o primeiro, líder nato que é. Sabe de tudo muito, pode conversar horas fornecendo detalhes. 

Na juventude jogávamos War todos juntos. Jogo longo, muitas horas. Muitas vezes parecia que ele ia perdendo tudo pelo meio do caminho, mas ia levando, reunia forças em um canto, e lá pela noite adentro, quando todos já estavam cansados, ele persistia, devagar e sempre, não desistia, negociando com cada um, no final, saía vencedor rsrsrsrs.

Essa também é um pouco a história da Leitura, que ele comanda há anos, com humildade, inteligência, trabalho e resilência. 

Quando diz algo, a gente confia no que ele diz. Este é meu irmão caçula! Merece todas as bênçãos em sua vida. Filho, pai, companheiro e amigo fiel. Não anda sozinho, seus amigos são de uma vida inteira, e vão todos caminhando lado a lado. Com ele ninguém fica pra trás. Hoje é aniversário dele. Feliz aniversário, irmão. Obrigada por ser este grande companheiro!

Israel 3.7.2022 

Henrique, Marcus, Pinha e Bel

sábado, 2 de julho de 2022

Política para a vida

O que teria a ver entre Ervin Lazlo e as lideranças para o bem (me citado por Andrea Labruna, minha amiga de infância e coach pessoal durante toda a minha vida rsrsrs) e o governo de Israel, que acaba de cair fazendo com que em novembro tenhamos a 5a eleição em 3 anos?

Pois é... Uma amiga me enviou uma mensagem de áudio, só ouvida no fim de semana, ampliando a nossa conversa sobre o que chamam de liderança para o bem. Liderança que diz respeito a governos, empresas, relações pessoais e familiares, a todo o mundo... Acredito profundamente no que ela me falou ali e que compartilho um pouco aqui.

Esses dias, meu marido e eu conversávamos sobre a m... que está o mundo... Muito por causa da crise deflagrada pela pandemia e um tanto pela polarização gerada pelas lacrações no jornalismo e mídias sociais (vocábulo me desvendado recentemente por uma amiga jornalista atualizada) - Bolsonaro e Lula; Biden e Trump; a Guerra de Putin na Ucrânia; governos como o de Macron e Bennet que não conseguem governar, já que a oposição lacradora os combatem intensamente. 

Vivo com base na crença intuitiva da liderança para o bem. Uma confiança que carrego de experiências vividas na vida profissional, em família e nos grupos de amizade onde cresci e me desenvolvi, algo que ninguém me tira. Procuro fazer tudo com amor, dedicação, tento me colocar no lugar do outro, recapitulo minha opinião e o modo de enxergar, quantas vezes se fizer necessário, sem medo de mudar, devagar e sempre, em pequenas ações que geram pequenos frutos, num compromisso individual que aos poucos se torna também social, pois se amplia. Como minha amiga fez com sua equipe, contratada pelo Sebrae-MG para "reabrir" a Estrada Real em Minas, capacitando a população local para o turismo, em trabalho pequeno e árduo, nas pequenas comunidades - trabalho realizado a longo prazo, gerando bons frutos, como o turismo que cresceu em Ipoema-MG, por exemplo, com a criação do Museu do Tropeiro e outras iniciativas. Ou o trabalho da nutricionista Claudia Lulkin em Alto Paraíso, com nutrição escolar e familiar, ensinando a utilização e plantio dos frutos do Cerrado. Ou do amigo e músico Júlio Cesar Marques, que trabalha com agricultura familiar natural e sustentável. 

E o que isso tem a ver com a grande política? Creio que pequenas ações, aquelas que somos capazes de realizar no dia a dia, podem influenciar realizões maiores... E aí volto à política, ligando o áudio que minha amiga me enviou à política em Israel... 

Yair Lapid, que ganhou nas últimas eleições, há um ano, o direito de montar o governo como líder do segundo partido mais votado em Israel, o Yesh Atid (Há Futuro) - após o vencedor Benyamim Nathanyau (Likud) não ter conseguido montar governo -, tentou uma coalizão inusitada em Israel, plantando nova semente de esperança ao conseguir misturar no governo várias tendências e partidos bem diferentes... Na linha de buscar atingir uma população mais ampla e mais diversa. Como líder do segundo partido mais votado, Lapid cedeu a liderança para Bennet, de um outro partido, para assim formarem o governo de coalizão que permitiu derrubar a liderança de direita sob o comando de Nathanyau. E, ainda que a tentativa tenha falhado com a queda deste governo, viu-se que governar com diferentes é uma opção viável.

Na coalizão formada pelo último governo havia partidos de esquerda (como o Meretz), de direita (como o Yemin do Bennet), de centro (como Yesh Atid e Kahol Lavan) e árabes (como o Raam). Só que a direita formou um grande bloco na oposição, que não os deixava governar. Com uma coalizão estreita, de 61 deputados contra 59 na oposição (de 120), fez-se compromisso de não votar assuntos polêmicos, apenas governar o país, aprovando o que fosse mais urgente para população de modo geral. Mas a oposição, com o objetivo claro de desfazer a difícil costura, criou uma campanha de levantar pautas e assuntos complexos com o objetivo de quebrar a coalizão, e mostrar a seu público que os de direita na coalizão não queriam tratar assuntos da agenda nacionalista que lhes são caros (referentes à territorialidade), e que por isso seriam traidores de seus próprios ideais e de seus eleitores. Foi este o discurso contra Bennet e era isso que queriam provar ao levantar assuntos polêmicos para a coalizão votar.

Assim, um deputaso do partido do Bennet (Yemin = Direita) e uma deputada árabe (do Meretz - partido mais à esquerda no espectro politico do país) acabaram por dissindir de seus partidos para não ganharem a pecha de traidores de seus eleitores (sejam direitistas ou ou árabes, porções de grande importância no embate político e que se opõem). 

Dessa forma, o governo de espectro politico mais amplo que se formou até então na história do país, caiu, e Bennet, que havia prometido não ir às 5as eleições, levou a pecha de traidor dos ideais de direita e decidiu não concorrer - para descansar das batidas que levou. Nessa queda, Yair Lapid saiu ileso e fortalecido, pois continua sendo a favor de uma coalizão ampla de centro-esquerda e centro-direita para governar o país. Na coalizão que caiu, havia um acordo de rotação entre Bennet e Lapid, que fez com que, com a dissolução do Parlamento (já que não havia mais a maioria de 61 das 120 cadeiras que permite um governo governar), Yair Lapid assumisse nesta semana o cargo de décimo-quarto Primeiro-Ministro de Israel, num Governo de Transição, até que, após as eleições em 1 de novembro, possa assumir um novo governo. 

O problema é que Lapid não tem 61 cadeiras para aprovar projetos no Parlamento / Knesset, nem mesmo o orçamento básico para o exercício de 2023, deixando a economia paralisada para além da crise mundial gerada pela pandemia e pela guerra na Ucrânia. Em Israel, os parlamentares votam de acordo com os interesses do partido (fidelidade partidária) e não do país, cerne do embróglio político em que o país se engendrou. No sistema político atual, todo governo tem que montar uma coalizão de partidos para conseguir a maioria que lhe permite governar. E dessa divisão do governo entre alguns partidos depende o equilíbrio da democracia israelense. Uma faca de dois gumes, pois é também onde se constrói o conhecido toma lá dá cá dos interesses partidários, com divisões de ministérios e cargos, uma práxis para se chegar aos 61+. 

Aparentemente, a direita em Israel tem 61+, mas não consegue se unir, pois grande parte dela é dissidência direta do Likud - aqueles que brigaram definitivamente com Nathanyau,  o qual durante anos combateu no Likud qualquer liderança que a dele se opusesse, como Bennet, Saar, Ayelet Shaked, Liberman, todos de direita queimados por Nathanyahu dentro do Likud e pós-Likud. Assim, voltamos aonde estávamos antes da última eleição há um ano: Nathanyau na liderança do Likud tentando formar uma coalizão só de direita, sem conseguir, pois seus desafetos,  mesmo que de direita, não se sentarão sob governo dele... 

Muito provavelmente, de novo, vai sobrar para Yair Lapid (Yair = luz Lapid = tocha rsrsrs)... Mas, desta vez, suas chances de formar nova coalizão sem Bennet seriam menores (fica Ayelet Shaked, mais à direita que Bennet). Há um outro candidato de centro-esquerda, Beny Gantz (Kahol Lavan / Azul e Branco), ex-general muito respeitado e querido por todos, pelos de direita e de esquerda, mas já teve sua chance no passado, sem sucesso - não mostra a liderança combativa de Nathanyau, Bennet, Liberman, sendo mais ao estilo Lapid, costurador. 

Agora é voltar ao que era antes tendo a mesma receita... mas esperando que, desta vez, possa dar certo... Seria isso possível? 

Tendo mais ao estilo dos costuradores.


Raquel Teles Yehezkel 

Israel, 2/7/2022



sábado, 11 de junho de 2022

Equilibrio delicado

Duas pernas me sutentam 

centrada, estável, realista, 

ligada à terra: 

a casa de meu pai, 

a casa de minha mãe, 

- ainda vivas. 

Em Dores, no Riacho e em mim. 


Acima delas, o meu tronco, 

ereto, 

se sustentando, 

às vezes firmemente, 

outras nem tanto: 

a família que meus pais construíram,

coluna vertebral que me sustenta. 

Cada parte

diferente, importante, 

interligadas, 

permitem o movimento - 

ora a um lado, ora ao outro, 

ora pra baixo, outras pra cima, 

mas uma coluna firme,

ainda que imperfeita:

a casa de meus pais.

 

A seguir, o coração, 

centro pulsante da vida, 

sempre ligado ao cérebro, 

que a guia, 

sustentam 

a minha família, 

que ele e eu construímos. 

A pulsão da vida se equilbrando 

entre um e outro, 

às vezes impulsiva,

outras, pensante. 

O coração, 

elástico generoso, 

abriga, 

às vezes, 

briga. 


A vida a dois é um pacto 

escolhido, 

um pacto de confiança, 

nem sempre fácil sustentar, 

um vínculo consensualmente construído 

que permite criar um bem maior, 

que não depende só de um ou só de outro, 

mas dos dois: 

a família. 

Bem maior que dois, 

só pode existir por meio de um pacto 

de confiança entre dois: 

a palavra dada - a palavra recebida. 

O amor pensante, escolhe, 

quantas vezes for preciso, 

o mesmo pacto. 

Sua quebra destrói o vínculo  – 

de difícil reconstrução. 


Do equilíbrio delicado entre as partes 

deste corpo 

depende a existência de muitos, 

de gerações futuras, inclusive.

A vida é construída, 

por escolhas,

por significados que lhe damos,

todos os dias.

Assim, 

quando sinto minhas pernas estáveis, 

minha coluna ereta, 

me lembro das vidas que me deram vida,

sabendo que sobre elas construí a minha,

e deste equilíbrio delicado, 

depende a construção de outros. 


Raquel Teles Yehezkel 

Israel 11.6.2022


Minha casa - força propulsora

A casa de meus pais - coluna que sustenta

A casa de meu pai, em Dores do Indaiá - estabilidade 

A casa de minha mãe, no Riacho do Campo - estabilidade 



sábado, 4 de junho de 2022

Shavuot, o Kibutz, Rute e eu

Falei para o meu marido que Chag/ Festa Shavuot é a que mais combina comigo rsrsrs E ele quis saber por quê... Então tive que explicar... 

Primeiro porque é o Chag Matan Torah (Festa de Entrega da Torah no Monte Sinai), e o que seria dos homens lobos de homens sem o código mosaico... 

Segundo porque é a festa das prímicias, com fartura de frutas primavera-verão, e eu amo frutas. 

Depois porque é a festa dos queijos, e como boa mineira crescida à base de queijos e lacticínios não poderia ser diferente. 

Também porque quando cheguei a Israel, sete semanas depois, passei meu primeiro Chag Shavuot no Kibutz onde fazia o ulpan e foi uma festa lindíssima, em que apresentaram todas as primícias daquela estação, inclusive os bebês nascidos no último ano. 

Por fim, e principalmente, porque é a festa da bondosa, persistente, inovadora e corajosa Rute a moabita, que, assim como eu, deixou sua terra natal para viver na terra da família de seu marido, a Terra de Israel... Precisa debulhar mais? rsrsrs

Chag Shavuot sameach, meu Am Israel chai❣

אמרתי לבעלי שחג שבועות הוא זה שהכי מתאים לי חחח והוא רצה לדעת למה... אז הייתי חייבת להסביר... קודם כי זה חג מתן תורה, ומה היה אלול לקרות לאנושות לו לא הינו מקבלים את חוקי מושה בהר סיני... שנית, כי זה פסטיבל הביקורים הראשונים לעונה, עם הרבה פירות אביב-קיץ, ואני כידוע במשפחה מאוד אוהבת פירות. וגם בגלל הגבינות - כאדם שגדל על גבינות ומוצרי חלב זה לא יכול להיות אחר... גם כי כשהגעתי לארץ, שבעה שבועות לאחר מכן, ביליתי את חג השבועות הראשון שלי בקיבוץ חצור בו למדתי באולפן וזו הייתה מסיבה יפפיה, בה הציגו את כל הביכורים של אותה עונה, כולל התינוקות שנולדו לאחרונה. לבסוף, ובעיקר, כי זה חגה של רות המואביה הטובה, העיקשת, והאמיצה שעזבה את מולדתה כדי לגור בארץ האם ומשפחת בעלה - בארץ ישראל... דרוש לפרט יותר? חחחח 

חג שבועות שמח עמי ישראל חי❣

Shavuot 2022

Ramat Hasharon, Israel

Com Koba, Shavuot 1984, Ulpan Kibutz Hatzor

Com amigos do Kibutz Hatzor, Shavuot 1984


 




sábado, 7 de maio de 2022

"O Urucuia é o meu rio e o grande sertão é a minha casa"

Conheci ainda jovem adolescente o Morro da Garça, cenário do surreal conto "O Recado do Morro" de Guimarães Rosa - ainda não conhecia o conto... O Morro da Galça, como o chamavam parte dos nativos, era visto desde a fazenda Cavalinho, então município de Curvelo, onde chegávamos de carro, por terra, de forma muito precária ou no caminhão de leite que circulava na região, levando o leite e os passageiros locais. O tomador de conta da fazenda do meu amigo Paulinho Belleza era o conhecido e amado Zé Cutuca, casado com a queridíssima Gabriela-Bilá, autênticos personagens saídos das histórias de Rosa. 

Muito antes disso, antes mesmo de eu nascer, meu avô, de Bom Despacho (nascido e criado às margens do São Francisco, fazendas Lagoa Verde e Machados), em meados do século passado, havia comprado uma imensidão de terras no sertão mineiro, entre os rios Paracatu e o Urucuia. De modo que passei minhas férias com os pés em veredas, cruzando os gerais sem fim pelas bandas do Urucuia onde pesquei (chegando ali pelo afluente Conceição, que cortava as terras do meu avô) e pulando pedras pelo "córrego do Gervásio" - nome do meu avô, como em Grande Sertão Veredas (GSV).

Gervásio Cardoso de Oliveira era proprietário da fazenda Riacho Campo e entornos, antigo município de João Pinheiro e, mais tarde, de Brasilândia de Minas, onde chegávamos cruzando o Paracatu de balsa, lá nas auroras da minha vida rsrsrs Assim, tendo crescido visitando constantemente este sertão, situado em algum lugar entre o Urucuia e o Paracatu, bebo a literatura de Rosa como se minha fosse. Como diretora do centro cultural da Embaixada do Brasil em Tel Aviv, onde damos aulas de português para israelenses como parte da política externa do Itamaraty, que possui uma rede de aproximadamente 30 unidades pelo mundo, que atualmente, com muito orgulho para esta mineira rosiana, recebe o nome de Instituto Guimarães Rosa - (ah, Grande Sertão Veredas foi traduzido para o hebraico por Erez Volk, com noite de lançamento no nosso centro cultural em Tel Aviv, quando, junto ao tradutor, tive a honra de apresentar Grande Sertão Veredas para o público presente - fui aluna da professora rosiana Marli Fantini Scarpelli, na Ufmg)!

Assim, descrevo sempre a fazenda da família no sertão mineiro, entre o Paracatu e o Urucuia (uma agropecuária coletiva de aproximadamente 50 descendentes de Gervásio Cardoso e de Olímpia Couto), como parte do cenário de GSV, e acalento o sonho de que João tenha cruzado essas terras e descansado em alguma vereda por ali, quem sabe na majestosa Vereda da Égua, na Santa Felicidade... Ainda que o nosso Gervásio seja outro Gervásio...

***
Israel 7.5.2022 
Título inspirado pela leitura da viagem do professor Marcos "Alvito Aff", especialista em João Guimarães Rosa, ao sertão rosiano, publicado em 6.5.2022 no grupo do FB: Clássicos da Literatura Brasileira 

Vereda da Égua - Santa Felicidade 

Córrego Caiçaras - Riacho do Campo




segunda-feira, 28 de março de 2022

Vida e Memória

Outro dia, vendo num filme um pai ir à cama do filho para ver se estava tudo bem, eu disse ao meu marido, parece que esse tempo em nossas vidas foi há tanto tempo como num sonho, como se nem tivesse existido. Mesmo na perspectiva de nossos filhos que agora cuidam dos filhos deles é quase impossível lembrar concretamente desse tempo longínquo que se tornou memória fugidia. 

Para entender que a vida é um sopro, que passa rapidamente, precisa-se da perspectiva do tempo vivido. Com a idade e os riscos de "perder" a vida, a transitoriedade torna-se real e presente. 

Causa estranheza pensar que os meus netos não conhecerão bem e não conviverão com minha mãe, meu pai, sogra e sogro, irmãos e cunhados. Eles conhecerão a geração deles e uma anterior (a dos pais deles), e pronto. 

Para eles, meu marido e eu somos esses de agora, um casal maduro que mora em Petah Tikva, Israel, que trabalha na Embaixada e numa lavanderia dessa cidade. Toda nossa vida pregressa, no Brasil, nos trabalhos anteriores, na juventude, lhes parece algo saído de um livro muito antigo...

Mesmo tendo estudado História, custou-me perceber a perspectiva histórica na vida humana e na minha própria vida. Um dia na fazenda da família, sugeri levar para lá os nossos avós e tios - que fizéssemos um cemitério para aqueles que quisessem ser enterrados lá... Então, numa conversa, minha irmã me trouxe à dimensão do tempo histórico na vida humana. Disse-me que em duas gerações já não se saberia mais quem foi quem e que em bem menos de cem anos a geração que viesse a pisar aquele chão não teria mais conhecimento e nem laços com os que ali agora vivem... 

Segundo Saramago "Somos a memória que temos e a responsabilidade que assumimos. Sem memória não existimos, sem responsabilidade talvez não mereçamos existir." Mas como fazer quando a memória é tão curta e o mundo atual tão efêmero e instantâneo? Toda cultura que perdura reverencia a memória de seus antepassados. Por isso a opção de construir um "memorial" para reverenciar nossos ancestrais e o trabalho das gerações passadas na fazenda, para que chegassem até os nossos dias, se mostrou uma opção importante e foi realizada. Mas, ainda assim, com todas as fotos, histórias contadas ou registradas em livros, quem de nós se lembra dos oito bisavós que tivemos? Quem, no final das contas, foram os avós de nossos pais, tão importantes na vida deles em tempo histórico recém-passado? Tudo torna-se histórias, memórias, um sonho distante ou, quem sabe, memória coletiva de muitos... 

E, por fim, quem se lembrará de nós, do que fizemos, de como rimos ou choramos, dos caminhos que escolhemos?... Como diz minha irmã, que é bióloga e bioquímica, fica-se parte real no código genético e, outra, nos costumes de sua gente, para uma, duas, três gerações... diluindo numa eternidade sem fim. 

E então?, somos efêmeros ou eternos?, um sopro ou uma corrente amarradinha?...

Raquel Teles Yehezkel 

Israel, 28.3.2022

Eu e minha neta - Ramat Hasharon, Israel



quarta-feira, 16 de março de 2022

Breve História da fazenda Riacho do Campo, por Gervásio Cardoso de Oliveira Filho

(FAMÍLIA COUTO CARDOSO DE OLIVEIRA)

A história da Fazenda Riacho do Campo, situada no Município de Brasilândia de Minas (MG), começou quando o casal Gervásio Cardoso de Oliveira e Olímpia Maria do Couto, originário das cidades mineiras de Bom Despacho e Luz, decidiu vender suas terras naquela região às margens do Rio São Francisco, por volta de 1940, e transferir-se com sua grande prole para terras do então distrito de Paineiras, Município de Abaeté (MG).

No município de Bom Despacho nasceram 11 de seus 14 filhos, sendo que o décimo segundo nasceu na cidade vizinha de Dores do Indaiá e os dois últimos nasceram em Paineiras, na Fazenda das Jabuticabas. O casal ainda adotou, como filho, um menino com apenas alguns meses de vida.

Por volta de 1950 Gervásio e Olímpia venderam a Fazenda das Jabuticabas e adquiriram no Município de João Pinheiro (MG) as terras da atual Fazenda Riacho do Campo, hoje situada em Brasilândia de Minas. Em consequência dessa compra a família transferiu-se para a cidade de Patos de Minas, localizada em uma próspera região do Alto Paranaíba em condições de proporcionar aos filhos melhor qualidade de vida, sobretudo nas áreas de saúde e educação. Essa mudança, evidentemente, não foi fácil para a família, sobretudo para o meu pai Gervásio, uma vez que naqueles tempos os meios de transporte eram muito precários e a transferência de todo o patrimônio para a Fazenda Riacho do Campo, sobretudo do gado, se deu por terra, por estradas em péssimas condições, utilizando apenas o carro de boi e o lombo de burros.

 Já nessa época meu pai passou a contar com o importante apoio dos dois filhos homens mais velhos, José Couto de Oliveira (Zizico) e João Cardoso do Couto (Zizinho), que daí em diante deixaram os estudos para ajudar no duro trabalho de formação da fazenda, visando ao sustento da nossa grande família em Patos de Minas.

A nova fazenda foi adquirida de um parente do Sr. Basílio (Capitão Basílio), um tradicional fazendeiro da região cujas terras se estendiam para além das bandas do Córrego Cotovelo, afluente do Rio Paracatu. Mais tarde novas terras foram anexadas, como a Fazenda da Mata comprada de um senhor conhecido como Dr. Renault. 

Acompanhando meu pai, seguiram em direção à nova fazenda muitos dos empregados (agregados) e seus familiares que àquela época prestavam serviços para a nossa família na região de origem, dentre eles: Zé Grande, Dertrudes, Irani, Vital, Agenor, Martinho, Vicente, Arceu e Juarez.

Assim que chegaram ao novo local, meu pai, meus dois irmãos mais velhos e todos que os acompanharam construíram um enorme barracão de madeira, denominado de Paiolão, com duas águas, de cumeeira muito alta e caimento bastante pronunciado, ficando na parte central um grande espaço que funcionava como dormitório, cujos colchões com enchimento de palha de milho se estendiam pelo piso de tábuas; na lateral esquerda ficava uma pequena cozinha e o quarto de nossos pais, e do lado direito havia um grande espaço destinado ao depósito de milho, uma pequena forjaria e um local para guardar acessórios de montaria.

Naquela época, década de 1950, a viagem de Patos para a Riacho do Campo, a cerca de 280 km de distância, era feita totalmente por estradas de terra em condições extremamente precárias, com o agravante de não haver pontes sobre os rios e córregos existentes no percurso. Era assustador.

Foi por volta de 1952 que toda nossa família rumou pela primeira vez para a Riacho do Campo. Meu pai havia adquirido um automóvel de fabricação Land Rover e Zizico, ainda inexperiente, assumiu a direção do veículo, totalmente lotado, com muitos meninos e sacos com roupas e mantimentos. Pode-se imaginar uma situação inusitada e desconfortável, mas muito estimulante ― cheia de riscos e desafios ―, uma verdadeira aventura especialmente para nós crianças!

Em João Pinheiro fomos recebidos com alegria pela família de Lilico e Maria José, sobrinha de nosso pai, responsável pela Agência dos Correios local. Ali pudemos jantar uma típica comida mineira, cujo prato principal foi um saboroso frango com quiabo feito com muito esmero e carinho. 

Após uma noite de descanso abençoado, seguimos viagem em direção a Caatinga, um pequeno distrito de João Pinheiro à beira do Rio Paracatu, composto por poucas casas construídas de forma rudimentar com taipa e cobertura de palha da palmeira Buriti. Esse rio era bastante largo e mais raso se comparado ao Rio da Prata, no Porto Diamante, atravessado no dia anterior. Em ambos os rios a travessia era feita por meio de uma barca, feita de tábuas apoiadas sobre vários tambores e movida manualmente com a utilização de grandes varões de madeira que a empurravam até a outra margem. Mas ao contrário da barca do Rio da Prata, presa a um cabo de aço que atravessava o rio, no Paracatu a embarcação era solta e navegava apenas sob o comando do experiente barqueiro de nome Nicolau, homem negro, alto e magro que nos impressionou bastante por fumar um rústico cachimbo feito de bambu. Não é preciso dizer do medo e da emoção que todos nós sentíamos ao atravessar aqueles grandes rios!

Dali em diante a estrada, que já era ruim, tornou-se quase intransitável. Era tempo de chuva e o nosso potente jipe tinha muita dificuldade de trafegar, nos obrigando a permanecer atentos e tensos a cada atoleiro que tínhamos de enfrentar. Muitas e muitas vezes tivemos que descer do carro para que pudéssemos aliviar o peso e transpor o atoleiro empurrando o veículo, para então prosseguirmos viagem com roupas e sapatos tão sujos que nem pintos no barro.

Finalmente e com muito alívio chegamos à Fazenda Rego, de propriedade do Sr. Capitão Basílio. Fomos recebidos por ele e sua família de uma maneira muito atenciosa e cordial. Enquanto aguardávamos o almoço, nos convidaram para visitar o belíssimo e imenso quintal existente no fundo da casa onde pudemos saborear diversas espécies de frutas, tais como: manga, goiaba, tamarindo dentre outras. Ao voltarmos nos brindaram com um verdadeiro banquete, próprio das fazendas do interior de Minas, de sabores e temperos genuinamente locais: feijão de tropeiro, lombo de porco, frango caipira ensopado e muitos outros quitutes deliciosos! Nunca nos esquecemos do suco de tamarindo, de sabor ácido e marcante, e das típicas sobremesas mineiras: doces caseiros de leite e de goiaba acompanhados do legítimo queijo fresco. Essa passagem pela propriedade do Capitão ficou marcada para sempre em nossa memória e com o tempo nos tornamos grandes amigos de seus filhos e descendentes.

Após essa agradável parada, seguimos em frente sabendo que já estávamos próximos do nosso destino ― a tão esperada Fazenda Riacho do Campo, nossa nova morada! Não imaginávamos encontrar, logo na saída da Fazenda Rego, um córrego completamente cheio em decorrência das fortes chuvas que caíram naquele dia. Como não havia ponte no local de passagem, tivemos que aguardar por mais de uma hora para que as águas baixassem e nos permitissem atravessar a correnteza ― para nós crianças, essa foi mais uma excitante aventura da nossa inesquecível viagem!

Os primeiros dias após nossa chegada foram de muita expectativa e movimentação, pois o local era considerado à época um grande sertão, totalmente despovoado e inóspito, sem nenhuma infraestrutura para abrigar de modo satisfatório nossa família ou de oferecer condições razoáveis ao gado recém-chegado de tão longa caminhada. Para nós que sempre havíamos morado em fazendas de sedes sólidas e amplas, mas simples, a adaptação ao novo local transcorreu de forma rápida e natural. Aos poucos fomos perdendo o medo e nos arriscando a explorar as áreas um pouco mais afastadas do barracão, e logo alcançamos o maravilhoso riacho que corria nos fundos da sede. Descobrimos que se chamava Caiçara, um curso de água cristalina forrado com grandes lajes de basalto, onde não hesitamos em banhar-nos em sua correnteza refrescante. Esse era um córrego bem diferente daquele que corria pelos fundos da antiga sede da Fazenda das Jabuticabas, cujo leito de terra batida deixava a água barrenta. Com imensos blocos de pedra no seu leito e nas suas margens, causou em mim, garoto de nove anos, o penúltimo da prole, de nome herdado do pai, uma forte impressão que gerou um fato interessante até hoje lembrado com carinho pelos nossos familiares: chegando a casa vindo do Caiçara, encantado com aquela visão imponente, perguntei à nossa mãe quem havia colocado aquelas pedras enormes no córrego, ao que ela, na sua simplicidade, prontamente respondeu: Foi Deus que as colocou ali, meu filho! E eu, como sempre desconfiado, retruquei: é porque a senhora não viu o tamanho das pedras, mamãe... 

Como a Fazenda tinha uma extensão muito grande, nosso pai decidiu ocupá-la de maneira lenta e progressiva, entrando aos poucos em áreas nos arredores da sede. Uma das primeiras decisões que tomou foi construir um retiro nas proximidades, composto por um amplo curral para manejar o gado e uma pequena casa para o encarregado de sua administração. O primeiro vaqueiro que ali morou se chamava Benedito, homem simples, sem estudos, mas com muita disposição para o trabalho. Ele vestia, sobre sua roupa, um conjunto em couro cru geralmente usado pelos nordestinos com o objetivo de se proteger dos espinhos e matos existentes com abundância em toda fazenda. Tinha uma linguagem própria dos nordestinos, com expressões bem diferentes das usadas em nossa região de origem. Lembro que certa vez sua esposa enviou para nossa casa em Patos de Minas um doce de leite muito gostoso que ele chamou de “uma bestagem”, com certeza querendo dizer que aquilo era uma coisa muito simples. E nós, pequenos e inocentes à época, pedíamos ao nosso pai para nos trazer “bestagem” todas as vezes que fosse à fazenda.

 Outra novidade que nosso pai trazia de lá e que nunca havíamos provado era uma fruta nativa da região, denominada pitomba, de formato e tamanho de uma uva, porém com a casca grossa e quebradiça, cor amarronzada, com um gosto levemente ácido e bastante exótico. Tudo era novidade para nós, o que aumentava ainda mais nosso interesse pela nova terra em pleno sertão. Sentíamos curiosos e desafiados diante desse novo mundo!

Assim que as principais providências relativas ao funcionamento da Fazenda foram tomadas, nossos pais decidiram construir, em 1953, uma casa espaçosa para abrigar com mais conforto a família. Após um tempo essa casa ficou pronta e mostrou-se bem confortável para a época. Ela existe até hoje, com algumas modificações sofridas ao longo dos anos. Logo em seguida foi construída, às margens do Caiçara, uma usina hidrelétrica com uma enorme roda d’água, para fornecer energia elétrica à casa e à serraria recentemente montada na fazenda. Também foram instalados um “carneiro” para bombear água encanada para toda a sede, um moinho para moer milho ― transformando-o em um fino fubá e um monjolo para descascar o arroz produzido em nossas terras. Além disso, foi aberta, nas proximidades da casa uma pista de pouso para a aterrissagem de aviões de pequeno porte. Com esses melhoramentos, passamos a ir para a Riacho do Campo com mais frequência, ou seja, praticamente em todas as nossas férias escolares. Acreditamos que a nossa Fazenda foi a primeira a possuir energia elétrica e água encanada em toda a região. Tudo passou a ser produzido ali: arroz, feijão, banha, carnes, ovos, rapadura, verduras e frutas. Comprávamos apenas sal e querosene.

Em 1950 Brasilândia originou-se de um projeto de reforma agrária; veio um comboio da capital federal, Rio de Janeiro, com tratores, caminhões e outros implementos agrícolas, se instalando à margem esquerda do Rio Paracatu, nas fazendas desapropriadas dos ingleses. Logo foi iniciada a nova Vila e a distribuição de glebas de terra com 50 hectares aos pequenos agricultores. À administração pública local coube a Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF). O local continuou isolado da cidade de João Pinheiro até a construção da ponte sobre o Rio Paracatu e de uma estrada asfaltada.

Devido ao bom relacionamento mantido por nossos pais com os administradores do povoado e com as autoridades do município de João Pinheiro, foi possível um esforço conjunto no sentido de melhorar as condições de tráfego nas estradas vicinais que ligavam Brasilândia à Riacho do Campo. Naquela época já acontecia por lá as parcerias público-privadas, resultando em várias melhorias, inclusive na construção de pontes sobre córregos e ribeirões. A destacada atuação de nosso pai junto aos administradores do município e também junto à população da região rendeu a ele uma justa homenagem por parte da Câmara Municipal de João Pinheiro, quando uma via do centro de Brasilândia recebeu o nome de Rua Gervásio Cardoso.

Transcorrido algum tempo de nossa instalação na Fazenda Riacho do Campo nosso pai, visando ao bem-estar dos trabalhadores, decidiu destinar uma área de terra pertencente à Fazenda para que seus funcionários construíssem uma Vila e, como o tempo, começaram ali a se instalar os serviços públicos essenciais, tais como escola, quadra de esportes e uma pequena igreja. Foi assim que nasceu a Vila Riacho do Campo, onde hoje seus moradores estão contemplados também com os serviços essenciais de abastecimento de água, energia elétrica e telefonia. 

Na década de 1960, meus irmãos Zizico e Zizinho casaram-se e foram morar na Fazenda. A casa, apesar de ampla e sólida, não oferecia condições adequadas para abrigar com conforto as duas famílias. Com o passar do tempo, meus pais decidiram então dividir a fazenda e doá-la aos filhos para que, aqueles que o desejassem, pudessem iniciar o cultivo de suas próprias terras. Nesse sentido, apenas três dos irmãos decidiram ocupar suas terras e tornaram-se verdadeiros fazendeiros, em especial o Zizico e o Zizinho, que a vida toda se dedicaram a auxiliar a família na labuta da fazenda como um todo, e também Joana D’Arc e seu marido Diógenes Passos.

Com o passar do tempo o desenvolvimento de Brasilândia teve um grande impulso, sobretudo em função de suas atividades agropecuárias e da instalação da empresa alemã de condimentos Fuc’s. Em consequência desse crescimento e da conscientização de sua população em relação aos seus interesses e anseios como cidadãos, na década de 1990 um grupo de pessoas liderado, dentre outros, pelos nossos irmãos Zizico e Zizinho, promoveu um movimento em prol da emancipação desse povoado. Assim, o distrito de Brasilândia de Minas se tornou independente de João Pinheiro e passou a fazer parte do conjunto dos municípios brasileiros.

Para orgulho de nossa família e fazendo jus ao seu trabalho e empenho durante todo o processo de emancipação, Zizinho foi eleito o primeiro prefeito do novo município. O povo soube reconhecer a dedicação de meu querido irmão durante o processo de independência da cidade. Merece destaque seu importantíssimo trabalho à frente da prefeitura, principalmente na fase inicial de sua implantação administrativa, partindo do zero para estruturar uma entidade que funcionou razoavelmente bem, tanto assim Zizinho foi reeleito por duas vezes.

Com o falecimento de meus pais, e considerando que os demais filhos atuavam em suas profissões em diversas cidades, a partir de 1974 esses herdeiros decidiram unir suas partes e criar uma empresa denominada Agropecuária Riacho do Campo S.A. O seu principal objetivo continuou sendo a pecuária, considerando que o relevo irregular de suas terras, com morros e encostas, torna a fazenda mais apropriada para a criação e a engorda de bois do que para a agricultura. No entanto, em 2010 foi introduzido em suas terras, com sucesso, o plantio de eucalipto. A empresa é administrada com sucesso por nosso irmão caçula José Eustáquio que conta com o eficiente gerente Wesley e com uma equipe capacitada e comprometida.

Na realidade, a Agropecuária Riacho do Campo é formada pela soma de quatro fazendas separadas umas das outras, ou seja, a sede pioneira, a Bocaina, a Terra Vermelha e a Mata. Todas possuem uma infraestrutura básica com currais e pequena residência para o administrador local. Sua forma é alongada, totalizando aproximadamente 22 km de extensão e conta com 6700 ha aproximadamente. 

A parceria adotada pelos nossos pais, desde o início de nossa vinda para a Riacho do Campo, com a administração pública e a privada local, continua a existir até os dias de hoje. Assim, a camaradagem e a união entre a prefeitura e os fazendeiros radicados no município têm resultado em melhorias das estradas, pontes e mata-burros. Na atual administração municipal essa parceria foi intensificada num trabalho conjunto e solidário, melhorando as condições de vida de toda a população rural.

Finalmente, considerando o grande interesse demonstrado por toda a família pelo uso da Fazenda como ponto de encontro e lazer, a partir da década de 1990 os sócios decidiram ampliar as instalações da sede pioneira, construindo novos espaços para acomodar os familiares e seus amigos mais íntimos. A antiga casa foi preservada e reformada e, com as ampliações realizadas, hoje é possível acomodar um total de 90 pessoas com bastante conforto. Os jardins ao entorno da sede foram ampliados e replanejados, com a construção de três lagoas para lazer e pesca e a criação de um conjunto de seis grandes esculturas construídas em aço corten, o que torna o espaço um verdadeiro museu a céu aberto. A beleza e a tranquilidade desse espaço, com a introdução de diversas espécies botânicas, são constantemente admiradas por todos que ali passam. O projeto geral dessa área social foi elaborado por mim e executado com a colaboração de diversos membros de nossa família, em especial do meu sobrinho Belmiro.

Desse modo, além de prosseguir com seu objetivo econômico inicial, ou seja, a criação de gado, a Fazenda continua a desempenhar também o seu papel importantíssimo de unir a família  ― hoje com mais de duzentas pessoas ―, possibilitando a convivência afetuosa e estimulando a amizade entre seus membros, em encontros realizados praticamente em todos os feriados do ano. Também de três em três anos, nossa família promove no local o “Encontro da Família Couto Cardoso de Oliveira” ― uma grande e verdadeira confraternização. A festa corre solta por três dias, com missa campal, competições esportivas, show de talentos, danças, homenagens especiais, muita música, comida, bebida e, principalmente muita paz e alegria!

Objetivando congregar nossa família em torno dos sentimentos de religiosidade e cultivar os valores cristãos deixados por nossos pais, foi construído em 2015, na Fazenda, um espaço para oração e meditação espiritual ― uma linda Capela dedicada à Sagrada Família ―, onde as pessoas podem expressar a sua fé, bem como realizar uniões matrimoniais de familiares e de amigos próximos. Assim, procuramos honrar os nossos pais Gervásio e Olímpia que, com muito trabalho e dedicação, nos deixaram um grande legado de amor à natureza, respeito ao próximo, apreço a uma família unida, mas principalmente, grandes exemplos e belos valores! 


Filhos de Gervásio e Olímpia:

1 – Geraldo Magela de Oliveira

2 – Maria da Conceição de Oliveira Teles

3 – Olímpia Cardoso do Couto (freira)

4 – Alzira Couto de Oliveira (freira)

5 – Therezinha Couto de Oliveira Corrêa

6 – Jacira Couto de Oliveira Bernardes

7 – Joana D’Arc de Oliveira Passos

8 – José Couto de Oliveira

9 – João Cardoso do Couto

10 – Maria Mercêdes Cardoso Pessôa

11 – Antônio Couto Cardoso

12 – Tarcísio Cardoso

13 – Gervásio Cardoso de Oliveira Filho

14 – Rafael Antônio Batista de Souza 

15 – José Eustáquio Cardoso


Brasilândia de Minas, março de 2022.

Texto de Gervásio Cardoso de Oliveira Filho