Em Belo Horizonte caiu um temporal que mesmo estando em Israel, acompanhei ao vivo, com temor. A chuva diluvial me conduziu aos anos de infância e juventude nessa cidade que amo. BH se assenta sobre vários rios que, represados nos anos de 1970, viraram ruas e avenidas, pelas quais as novas gerações passam ser saber que estão trafegando sobre o leito de águas adormecidas.
No início de 1979, presenciamos então a maior enchente na história da cidade, que deixou milhares de desabrigados. Sem teto, essa população foi levada para habitar um complexo de casas populares então recém-construído pelo governo do Estado, ao lado da atual Cidade Administrativa - o Morro Alto; onde, pouco depois, fiz estágio como professora de História durante todo o ano de 1983.
Entre os ribeirões que cortam Belo Horizonte, dos quais me lembro, está primeiro o da rua São Paulo, córrego do Leitão, que vinha desde a Prudente de Morais, descia a Bárbara Heliodoro, São Paulo e, cortando Av. Augusto de Lima, seguia a Padre Belchior em direção ao Mercado Central, para dali encontrar o Arrudas em alguma parte, Tupis abaixo. Eu morava na região e descia à pé do Estadual Central ou do Minas Tênis para minha casa, na esquina da São Paulo com Tupis.
Era também a céu aberto o córrego que corria toda a extensão da Av. Uruguai, desde a Praça Jk - o Acaba Mundo -, parte da Nossa Senhora do Carmo, e seguia pela Professor Morais em direção ao Arrudas, pela Região dos Hospitais. Havia mais um na Francisco Sá, no Gutierrez, que também descia para o Arrudas, na região da Contorno.
E o grande Arrudas, imperador poluído por todo tipo de dejetos, vindo desde Contagem até Beagá pela região da Tereza Cristina, Carlos Prates, Pedro II, ainda hoje aberto na região da Av. dos Andradas, Parque Municipal, Praça da Estação, Floresta, seguia para a Cidade Nova até encontrar a Bacia do histórico Rio das Velhas, em Sabará.
Não sei todos os nomes nem sei bem os cursos desses córregos que nascem em BH e imediações e correm como veias pelo coração da cidade. Sei que de tempos em tempos eles reclamam o leito estreito e impõem sua presença... E, se unindo ao Arrudas, chegam a Sabará, ao Rio das Velhas, que vem do sul, cortando a região central de Minas. Daí essas águas encontrarão o velho São Francisco (que nessas alturas já passou pelas terras dos meus antepassados em Bom Despacho-Dores: minha mãe achava que esse rio imenso, que cortava a fazenda Lagoa Verde onde nasceu, era do pai dela rsrsrs), desaguando lá no mar da Bahia.
Um grande corpo flutuante - a água da chuva, os pequenos ribeirões de BH, o Arrudas, o Rio das Velhas, o São Francisco, o Atlântico - uma água só...
Texto de 17.3.2018
sábado, 17 de março de 2018
segunda-feira, 12 de março de 2018
Diz que é de Dores do Indaiá...
Diz que é de Dores
e nunca comprou balinha na venda da dona Sinhana
ou no bar do Zé Preto.
E picolé no Bar Marajá ou no Bazar da Fortuna.
Ou um pão São José e uma marta rocha na padaria da Lindeia e
Geraldo Celso.
A primeira coca-cola da vida na Churrascaria Central.
Um remédio com o tio Mozart na farmácia Fiúza
ou com o primo Pedico na Farmácia do Pedico.
Polvilho no armazém do sr. Joaquim do Bento;
feijão com o sr. Homero no armazém Ipiranga.
Manteiga direto da casa do sr. Ofli.
Sapatos consertados pelo Tão.
Presentes de Natal nas arquibancadas da Casa Lacerda.
Tudo anotado em cadernetas.
Uma foto no Leonan.
Uma consulta informal com o vizinho de porta, o
querido dr. Fábio.
Uma palavra carinhosa da irmã Tereza.
Uma bronca da irmã Filomena.
Roupas lavadas na fonte com sabão à base de soda e abacate ou coco, produzido em casa.
Uma música - a pedidos - na rádio do Zué.
A banda do sr. Vandinho.
Um bom-dia para os vendedores à porta da Casa
Cherubino.
As missas do padre Ivo e padre Antenor,
a presença serena do frei Pio.
As matinês de Carnaval no Indaiá Clube.
Piscina do Zacarias, antes do Indaiá.
A sirene estridente do cinema avisando que o filme ia
começar.
Os desfiles de gala, com bandas e balizas, de todas as
escolas da cidade, em 7 de Setembro.
Queda de peões e troféus de gados no Parque da
Exposição.
Figuras excêntricas como Zico, Tereza-muda, João Golô,
Vado, Cafia...
Leite na Mãezinha ou ao pé da vaca na fazenda do
Custódio.
Os lindíssimos hotéis Central e Lincoln.
Brincadeiras de papagaio, pegador, pau de enrolar
fumo, futebol e circo - no Largo.
Janelas enfeitadas e ruas decoradas nas procissões de Corpus Christ.
Os anjinhos nas coroações de maio na Matriz.
Visitas dos dançantes em casa, na Festa do Rosário.
Os dias de dar esmola e a visita de leprosos de porta
em porta.
E vão dizer que não vivi minha infância em Dores do
Indaiá... rsrsrs
12.3.2018..
terça-feira, 6 de março de 2018
Judeus da Babilônia / Judeus de Bavel
Comemoramos numa manhã de sexta-feira, os 80 anos da minha sogra, que, como muitos judeus da Diáspora, não sabe a data precisa de seu nascimento, sabe apenas que é próxima a Purim. Fizemos um passeio pelas raízes da família no Museu da Herança Judaica da Babilônia / Babylonian Jewry Heritage Center, em Or Yehuda, Israel; com café da manhã tradicional, sessão de fotos, passeio guiado pelo museu e um stand up comedy sobre a absorção dos imigrantes do Iraque em Israel.
Os imigrantes judeus do Iraque, ou Bavel / Babel, migraram para Israel entre 1950 a 1955, após a Segunda Guerra, quando o governo do Iraque permitiu a saída dos judeus com apenas 30 kg por pessoa, sem dinheiro e sem joias, só com aliança de casamento na mão. Aconteceu que, na onda do nazismo alemão na Europa, houve um Farhud / Massacre/ Pogrom contra os judeus em 1 e 2 de junho de 1941 em Bagdá, quando cerca de 170 judeus foram mortos e 2500 foram feridos ou mutilados, tendo suas casas e lojas invadidas. Depois disso, os judeus perderam a confiança nos vizinhos e no governo, incapaz de protegê-los, iniciando um movimento de pressão para receber autorização de migrarem para Israel, formando o movimento sionista do Iraque, ou seja, o movimento de retorno ao Sião, região de Jerusalém. Meus sogros saíram do Iraque para Israel em 1950.
Minha sogra, Nadra Yehezkel, filha de Regina e Yossef Sasson, tinha 12 anos e a família dela foi encaminhada pelo serviço de imigração para Nazaré Elit, região da Galileia. Depois se instalaram de forma definitiva em Ashquelon, onde se encontra o mitológico parque arqueológico com as ruínas da destruição causada por Sansão. Meu sogro, Meir Yehezkel, filho de Naima Mizrahi e de Eliyahu Yehezkel, tinha 13 anos ao chegar a Israel, onde sua familia foi enviada para Ekron, município de Rehovot. Eles se casaram em Israel, quando ela tinha 21 anos e ele 22, por meio de shiduch, um arranjo entre as famílias que se conheciam ainda do Iraque.
Ao sair do Iraque, os judeus tiveram que abandonar suas casas, comércio e todos os bens, deixando o país apenas com a roupa e o que pudessem juntar em 30 kg, que não fossem objetos de valor. Muitos conseguiram passar valores em saltos de sapato, bainha de roupas ou de outras formas criativas.
Os judeus oriundos do Iraque, como os meus sogros, ao chegar em Israel, moraram em tendas e depois em maabarot (casas provisórias de madeira fornecidas pelo governo no processo de absorção dos novos imigrantes), mas logo se absorveram na jovem sociedade israelense, pois faziam parte uma imigração forte e estudada.
Deixaram para trás 2500 anos de cultura judaica rica e expressiva. Desde a destruição e saqueamento do Primeiro Templo pelo rei da Babilônia, Nabucodenosor, cerca de 450 AC, até os anos de 1950 judeus viveram na região da Babilônia, atual Iraque. Até o século 11, essa região, conhecida entre os judeus por Bavel ou Babel, foi o pólo central do judaísmo na Diáspora, passando depois para a Espanha. Mas até o século 18, a yahadut / judaísmo de Bavel permaneceu ditando as regras conforme o Shulhan Aruch bavélico / código de costumes judaicos.
Para mim é motivo de orgulho meus filhos e eu sermos parte das familias Sasson (da minha sogra), Mizrahi e Yehezkel (do meu sogro), judeus oriundos de Bavel.
Texto de Raquel Teles Yehezkel
2/3/2018
Babylonians Jewry Heritage Center:
https://www.bjhc.org.il/
https://www.facebook.com/babylonjewry/
Os imigrantes judeus do Iraque, ou Bavel / Babel, migraram para Israel entre 1950 a 1955, após a Segunda Guerra, quando o governo do Iraque permitiu a saída dos judeus com apenas 30 kg por pessoa, sem dinheiro e sem joias, só com aliança de casamento na mão. Aconteceu que, na onda do nazismo alemão na Europa, houve um Farhud / Massacre/ Pogrom contra os judeus em 1 e 2 de junho de 1941 em Bagdá, quando cerca de 170 judeus foram mortos e 2500 foram feridos ou mutilados, tendo suas casas e lojas invadidas. Depois disso, os judeus perderam a confiança nos vizinhos e no governo, incapaz de protegê-los, iniciando um movimento de pressão para receber autorização de migrarem para Israel, formando o movimento sionista do Iraque, ou seja, o movimento de retorno ao Sião, região de Jerusalém. Meus sogros saíram do Iraque para Israel em 1950.
Minha sogra, Nadra Yehezkel, filha de Regina e Yossef Sasson, tinha 12 anos e a família dela foi encaminhada pelo serviço de imigração para Nazaré Elit, região da Galileia. Depois se instalaram de forma definitiva em Ashquelon, onde se encontra o mitológico parque arqueológico com as ruínas da destruição causada por Sansão. Meu sogro, Meir Yehezkel, filho de Naima Mizrahi e de Eliyahu Yehezkel, tinha 13 anos ao chegar a Israel, onde sua familia foi enviada para Ekron, município de Rehovot. Eles se casaram em Israel, quando ela tinha 21 anos e ele 22, por meio de shiduch, um arranjo entre as famílias que se conheciam ainda do Iraque.
Ao sair do Iraque, os judeus tiveram que abandonar suas casas, comércio e todos os bens, deixando o país apenas com a roupa e o que pudessem juntar em 30 kg, que não fossem objetos de valor. Muitos conseguiram passar valores em saltos de sapato, bainha de roupas ou de outras formas criativas.
Os judeus oriundos do Iraque, como os meus sogros, ao chegar em Israel, moraram em tendas e depois em maabarot (casas provisórias de madeira fornecidas pelo governo no processo de absorção dos novos imigrantes), mas logo se absorveram na jovem sociedade israelense, pois faziam parte uma imigração forte e estudada.
Deixaram para trás 2500 anos de cultura judaica rica e expressiva. Desde a destruição e saqueamento do Primeiro Templo pelo rei da Babilônia, Nabucodenosor, cerca de 450 AC, até os anos de 1950 judeus viveram na região da Babilônia, atual Iraque. Até o século 11, essa região, conhecida entre os judeus por Bavel ou Babel, foi o pólo central do judaísmo na Diáspora, passando depois para a Espanha. Mas até o século 18, a yahadut / judaísmo de Bavel permaneceu ditando as regras conforme o Shulhan Aruch bavélico / código de costumes judaicos.
Para mim é motivo de orgulho meus filhos e eu sermos parte das familias Sasson (da minha sogra), Mizrahi e Yehezkel (do meu sogro), judeus oriundos de Bavel.
Texto de Raquel Teles Yehezkel
2/3/2018
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Babylonians Jewry Heritage Center:
https://www.bjhc.org.il/
https://www.facebook.com/babylonjewry/
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