sexta-feira, 8 de dezembro de 2023

7 de Outubro em Hanuca

Hoje meu pedido é gigante, como são gigantes as demandas em tempos de sombras...

Que as luzes de Hanuca possam realizar milagres para todo am Israel e o mundo, 

Que elas possam vencer as trevas, como no antigo Templo,

Que possam vencer o mal, como os Macabeus,

Que seja um milagre tão grande, que todos possam vê-lo.

Abençoado seja o Rei do Universo que opera milagres em nossas vidas,

Que nos proteja do mal, da iniquidade,

Que possamos ser sempre luz no mundo,

Que todos os reféns retornem às suas casas com vida,

Que nossas comunidades do sul se recuperem, se curem, se frutifiquem, se multipliquem: Kfar Aza, Beeri, Nir Oz, Reim, Nahal Oz, Sderot, Zikim, Hulit, Nirim, Kerem Shalom, Ashkelon...

Que Gaza e seus cidadãos de bem se recuperem e vivam pela Paz,

Que os homens de bem se multipliquem como boas sementes sobre a terra.

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Israel 7.12.2023

Abençoado seja o Senhor do Universo que nos trouxe a este momento e nos comandou ao acendimento das luzes de Hanuca.




sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Um alento em tempo de guerra

Nas três primeiras semanas de guerra entre Israel e Hamas em Gaza, após o 7 de Outubro, a orientação em Israel era para a população ficar em casa o quanto isso fosse possível. Era uma questão de segurança, pois estavam sendo lançados muitos mísseis direcionados para todo o país, e havia perigo constante de estilhaços gerados na destruição deles pelo domo de ferro. 

Dias de muita tristeza, uma depressão baixa e constante por tudo que estamos vivendo. As escolas estavam paralisadas e a Embaixada estava realizando os voos de repatriação. Apesar de estar em regime de home-office, recebia telefonemas e mensagens de muitos brasileiros solicitando informações e ajuda, interessados em embarcar para o Brasil naquele momento. 

Ao final do processo de repatriação, o Embaixador convocou os funcionários à Embaixada para agradecer os que estiveram diretamente envolvidos no processo e dar orientações para o retorno de todos ao modo presencial. Cheguei cedo para a reunião e me sentei na recepção esperando dar a hora. Na mesa da recepção há sempre algums livros, entre eles um sobre Minas Gerais, que fico feliz de encontrá-lo ali e folheá-lo... Mas neste dia qual não foi a minha surpresa! Ao abrir uma página aleatória, como sempre faço, eis que se materializa uma luz bem ali na minha frente. Uma Rainha. Foi como receber uma visita inesperada, um abraço de conforto, um alento ao coração. Recebi ali a visita de Maristela... 

Dona Maristela é minha amiga e mãe de amigos meus da adolescência... Todo ano ela participa da festa do Rosário em Paraopeba de Minas, onde recebe todo mês de agosto, numa casa antiga que foi dos pais dela, grupos de congadeiros e congadeiras vindos de várias cidades de Minas. Imagina... Imagina a minha alegria de encontrá-la assim por acaso no meu trabalho! Foi um momento mágico. Um momento de alegria e conforto... Como um abraço de mãe. Na mesma hora fotografei a página. Mais tarde mandei para o Sil, filho dela... 

Hoje recebi a notícia de que dona Maristela se encantou... Subiu aos Céus para se encontrar com o Eterno Rei... Mas não antes de me trazer um alento em tempo de guerra...

Petach Tikva 24.11.2023

Foto de dona Maristela rainha do Congado no livro "Minas de tantos Geraes"





Com dona Maristela - ao fundo quadros da casa antiga ainda preservada em Paraopeba de Minas, tendo à frente os congadeiros

No quintal da casa da família Moreira em Paraopeba com o Congo Penacho






sexta-feira, 10 de novembro de 2023

Em memória de Bruna Valeanu

Comoção geral no enterro de Bruna Valeanu, brasileira assassinada pelo Hamas no festival de música eletrônica Terra Nova, na madrugada do massacre de 7 de outubro, no sul de Israel. País em luto. A dor de um é a dor de todos.

Poucas vezes senti uma emoção tão intensa como ao fazer parte da multidão que abandonava seus carros às margens das vias principais em lugares proibidos, num imenso engarrafamento gerado pela solidariedade que conduzia uma multidão silenciosa ao cemitério. Havia força e energia no ar. Todos conectados pela tragédia que se abateu sobre Bruna Valeanu e sobre centenas de jovens cheios de vida como ela. 

Havia-se divulgado que por questões de segurança e por ser ela nova imigrante em Israel, acompanhada apenas pela mãe e irmã, que haveria poucas pessoas... 

Assim, brasileiros e israelenses desconhecidos se mobilizaram para prestar homenagem a Bruna, formando uma multidão de pessoas e um engarrafamento quilométrico por todas as vias que circundavam o cemitério Yarkon de Petah Tikva, região metropolitana de Tel Aviv.

A cerimônia aconteceu em português e hebraico, com a presença do prefeito e do rabino-chefe de Petach Tikva (cidade em que ela morava com a mãe e uma das irmãs), do rabino brasileiro de Raanana e do embaixador do Brasil em Israel.

São nas horas mais difíceis que a solidariedade se manifesta em sua enorme potencialidade. 

Am Israel chai.

Raquel Teles Yehezkel

Petah Tikva, Israel 

10.10.2023 

Em memória de Bruna Valeanu

יהי זכרה ברוך לעולם ועד


Fotos de Zipi Grinboim Hoffman






sábado, 21 de outubro de 2023

A guerra em tempo real

Nesta noite, pela primeira vez, pedi ao meu marido um remédio para dormir; um daqueles que ele guarda para quando é pego em uma de suas crises crônicas de coluna. Um remédio pra dor, pra desmontar e dormir. Estava muito nervosa e ansiosa pelas notícias ao vivo da liberação pelo Hamas de duas reféns israelenses-americanas, e não conseguia mais me relaxar. 

Estava também com raiva, por mais uma vez o Hamas estar no comando de nossas vidas naquele momento, dando um show planejado e ao vivo, como se fossem os comandantes a ditar a estratégia da guerra que se desenvolve neste momento entre o estado de Israel e o Hamas. De novo, o sentimento de hosser onim. 

Estávamos chocados ao começar o jornal de erev Shabat (véspera de Shabat), exatamente às 20:00 de 20 de outubro, e os jornalistas receberem ao vivo a notícia de que estavam sendo liberadas pelo Hamas duas reféns, mãe e filha, sem pedirem nada em troca, para mostrar ao mundo que eles são humanistas e não os monstros ferozes que o mundo presenciou no massacre de 7 de outubro contra a população civil no sul de Israel, em suas próprias casas ou enquanto dançavam em um festival internacional de música eletrônica.

Como numa cena surreal de games online, em cadeia nacional, a TV israelense cedia palco às ações do Hamas, enquanto no canto da TV ia-se mostrando os nomes de todas as vilas e regiões em que no exato momento soava o alarme ao cair de bombas. O norte e o sul do país sendo bombardeados, enquanto o Hamas anunciava ao mundo, por meio do nosso jornalismo ao vivo, que estava liberando naquele momento, 20 de outubro, duas reféns, entregues à Cruz Vermelha para serem repatriadas a Israel. 

Enquanto isso, os nove analistas do canal 12 sentados à mesa e ao vivo, iam recebendo notícias e nos atualizando: mãe e filha americanas-israelenses de Chicago haviam chegado a Israel recentemente para os feriados de Sucot / Tabernáculos para festejar o aniversário da matriarca da família. E que dez membros desta mesma família haviam sido feitos reféns em Gaza, dos quais estavam liberando duas. Que já tinham a identidade delas... mas que estava censurado dizer nomes e mostrar fotos até que os familiares próximos fossem avisados antes da divulgação para a mídia. 

Então, enquanto se esperava de 20h as 21h que a família fosse avisada, começou ao vivo um acerto de contas nervoso de como chegamos a esta situação e sobre a pressão nacional e mundial que viria para se continuar o processo de liberação e troca de reféns, o que poderia impedir Israel de entrar em Gaza para destruir o Hamas... Bla, bla, bla... sem fim, pois noticiário não tem fim. Enquanto isso a ansiedade a mil...

É possível dormir assim, com a raiva de mais uma vez assistir ao vivo o show orquestrado pelo Hamas? Momentos difíceis... 

Mas são nos entremeios que nos renovamos, angariamos forças. Quando vemos e produzimos ações bonitas, de força e de solidariedade da sociedade civil se organizando por conta própria, paralelamente à ajuda do estado, recebendo em suas casas refugiados de cidades inteiras do norte e do sul do país. Fazendo comidas, comprando equipamentos necessários, levando lençóis e toalhas para os milhares de israelenses deslocados de suas casas, vilas e cidades neste momento. Não há isralense que não esteja engajado em atos de solidariedade. E isso é visto, é sentido, é enxergado na movimentação pelo país, nas redes sociais, nas arrecadações realizadas. 

Neste momento, as divisões internas se acalmam e passamos à unidade como povo. Os religiosos ortodoxos que não são obrigados a servir o exército e servem apenas cerca de 1200 pessoas por ano - e este é um dos rachas na sociedade -, só nesta semana se voluntariaram 3 mil, sendo que desses, 120 já começam a servir nas linhas da Tzahal ainda nesta semana, dentro de suas próprias profissões, como médicos, enfermeiros, motoristas, tradutores, etc. O comportamento solidário da sociedade civil e sua colaboração diante das orientações do Comando de Retaguarda retorna em pequenos e grandes milagres que colaboram para o sucesso do todo.

Como os meus sentimentos, fervilhando, e os de solidariedade se aflorando, estão os sentimentos de todo am (povo) Israel. Pois quando falamos Am Israel chai (o povo de Israel vive), falamos de Israel como um todo, dos milhares de judeus que estão agora em sintonia com estes mesmos sentimentos e ações na América do Norte, na Europa, na Ásia, na Austrália, na América Latina. Israel é um só, um só coração fervilhando, esteja fora ou dentro deste pequeno país que você conheceu um dia, ou sonha conhecer pelas peculiaridades que são só suas...

Israel 21.10.2023

(Na imagem as reféns Judith e Nathalia Raanan, liberadas pelo Hamas na noite de 20 de outubro)



quarta-feira, 30 de agosto de 2023

O Português de Yaniv / Português Língua de Herança

Yaniv tem 6 anos e nunca morou no Brasil. Filho de pai e mãe brasileiros, nasceu e cresceu em Israel. Os pais falam português em casa, e Yaniv desenvolveu a língua com naturalidade.

Passaram-se alguns anos até que entendesse que as palavras que ele falava não pertenciam à língua de Israel, e que seus coleguinhas do jardim não entendiam o que ele dizia. Para ele, que se expressa com naturalidade, que tem um entendimento profundo da língua materna, não lhe passava pela cabeça que as pessoas na rua não pudessem entender a lógica tão perfeita da língua em que se comunicava e se relacionava em seu dia a dia.

Minha amiga Beta, mãe do Yaniv, me surpreendeu ao me enviar as frases dele. Fiquei encantada e eufórica com as reflexões que ele foi capaz de inferir da língua em que se expressa.

Segue um pouquinho da lógica genial de Yaniv, um menino carinhoso e criativo, que vê o mundo pela via do afeto e da lógica, reforçando a hipótese de que a lógica gramatical das línguas já existiria na mente dos falantes de uma língua materna, como propôs o linguista Noam Chomsky.
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Frases do Yaniv:

- Mãe, colo é abraço no ar, né?

- Mãe, abraço é a continuação do braço né?

- Morada tem a ver com namorada?
(Lendo um livro de lendas do Brasil onde a Cabra Cabriola dizia que levava as crianças pra sua morada. E continua a refletir sobre a língua e a elaborar as possibilidades que de repente vai vislumbrando e desvendando...)

- Não é que a gente gosta da namorada?
- Claro!
- Ahhhh, já sei, a gente também gosta da casa e a gente casa... 

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Como são incríveis e múltiplas as construções da mente e da nossa linda língua portuguesa!, que encerra infinitas possibilidades de criações, de associações e de interpretações! 

Vivemos distantes do Brasil? Sim, mas Yaniv é a prova de que podemos deixar nossa língua materna como um legado para nossos filhos. Um legado que expande a mente e a capacidade de compreensão de mundo.

E o Yaniv? Ah, sem comentários... Mil likes para ele! 

Raquel Teles Yehezkel

Israel 29.8.2023

#PLH #porugueslinguadeheranca



quinta-feira, 17 de agosto de 2023

Ao pé do Rola Moça, córrego Jangada - Casa Branca, Minas Gerais

Durante quase dez anos tivemos uma casinha com muita água e varanda, de onde se via as chuvas torrenciais caírem ou o sol nascer por entre as brumas da manhã ao pé da Serra do Rola Moça, córrego Jangada, Casa Branca, Minas Gerais. 

Pelo lado de Brumadinho, éramos vizinhos da Vale do Rio Doce, onde do chão virgem brotam-se hematitas, puro ferro, pouco antes de onde estourou a barragem de rejeitos de minérios em janeiro de 2019, em Córrego do Feijão. Do outro lado, morava um casal, recém-casados, em uma casa antiga de adobe, que estavam restaurando eles mesmos. Ele, o Júnior, era engenheiro e fazia em seu próprio quintal os blocos com o barro local, de terracota, cor maravilhosa, quase um laranja vermelho; as telhas da casa eram rústicas, na forma antiga em que os escravizados faziam-as literalmente "nas coxas". 

Enquanto restauravam sua linda casa, tiveram um bebê, o Rafael, que crescia ali entre o movimento das galinhas e patos no terreiro, os montes da construção e os muitos amigos que lhes frequentavam a casa. Rafinha era um menino encantador, e a mãe, Miriam, uma jovem acolhedora, trabalhadeira, que se dividia entre a casa e o trabalho num Tribunal de Belo Horizonte. 

Após uns doze anos sem contato - desde que vendemos o sítio "de porteira fechada", como se diz em Minas, e nos mudamos para Israel -, ela encontrou o Alon, meu filho caçula, e depois a mim nas redes sociais e me mandou algumas fotos do tempo em que éramos vizinhos... 

O Rafael agora tem 20 anos, e estuda engenharia em Belo Horizonte. O Alon tem 27, e trabalha com iluminação de palcos em Tel Aviv. 

O tempo? Ah... escapa-nos entre o trabalho e os muitos acontecimentos do dia a dia... A memória? Torna-se difusa, quase como se este hiato de vida nunca tivesse acontecido... 

Raquel Teles Yehezkel

Tel Aviv 17.8.2023

Nossa casa ao pé da Serra do Rola Moça, córrego Jangada, Casa Branca - Brumadinho, M.G.


Com Nissim

Com Rafael

Alon

Chão de hematitas. Região de Casa Branca - Brumadinho, M.G.



terça-feira, 9 de maio de 2023

Ovelha Negra

Certa vez fui com minha turma ao show da Rita e Roberto... 
E na bagunça da entrada, alguns se desentenderam com asotoridade. 
No bolo, acabaram levando preso meu amigo pra região de banheiros do Mineirinho, que nesse dia funcionava como delegacia de polícia. 
Deus me ajude da sua raiva... 
E lá eu fui andando atrás deles, inconformada com a injustiça do ocorrido...

Nós dois e uns tantos outros trancados no banheiro enquanto o show corria lá fora com Rita e Roberto mandando no baila comigo, como se fosse na tribo...
E em meio a banho de espumas, 
eu tentava na base de paz e amor convencer os federais da repressão a nos deixarem free... 

Desculpe o auê, 
eu não queria magoar vocês... 
Menina, 
desbaratina, 
não dá pra ficar imune 
ao seu amor
que tem cheiro de coisa maluca...
Um me olhou e perguntou, 
você fumou?
Que nada, amigo, 
sou assim no natural, 
levava uma vida sossegada, 
gostava de sombra e água fresca... 

Fim de show, chega de lero lero, vem o delegado... 
Que lendo em voz alta a lista de nomes e o motivo da detenção ia fazendo a triagem e dando o veredito:
ao amigo, por desacato à autoridade: pra casa; 
eu, por solidariedade: pra casa... 
Mas sem o Lança Perfume!

Linda indomável louca Ritinha, 
no ar que eu respiro
eu sinto prazer
de ser quem eu sou
de estar onde estou...
agora só falta você... 

Ela, eu, nós
ovelhas negras até o fim ♥️

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Raquel Teles Yehezkel
E então, em 9.5.2023, 
nós, ovelhinhas negras, 
ficamos mudas com a partida da nossa eterna musa rebelde... 







sexta-feira, 21 de abril de 2023

Meu talentoso handy man

 Yossi era meu amigo.

Não desses amigos com quem conversamos ou passeamos juntos. Mas desses amigos que você sabe que aparecerá quando você precisar dele. Israelense raiz rsrsrs: impaciente, direto demais, eficiente, inteligente, bom e de confiança. Yossi foi meu handy man por quase 10 anos. 

Ele era eletricista. Durante anos, o pai dele tinha uma lojinha de material elétrico no Kikar Massarik em Tel Aviv e assim também ele se formou eletricista. Depois foi fazer a vida na América, como os isralenses costumam dizer, onde viveu por uns dez anos. Quando voltou, assumiu a loja do pai, ao estilo dos muitos altesachen (velharias) por aqui. E a manteve assim até que, maldizendo o mas-harnassa (imposto de renda), o violento "Leão" israelense, há uns 5 anos fechou a sua lojinha na Massarik. Tendo o pai e ele atendido muita gente na região, colocou o material que sobrou da loja num quartinho do miklat (abrigo antiaéreo) do prédio do centro cultural do Brasil na Sderot Hen, onde eu trabalho, e continuou a atender os vizinhos, como de costume. 

Dava tranquilidade saber que tinha o Yossi por ali. Me "salvou" muitas vezes, algumas sem cobrar, pois sabia que precisávamos fazer três orçamentos para a contratação de serviços, mesmo se pequenos. Era só ligar que logo logo ele aparecia. Já até escrevi numa crônica sobre a ajuda que ele me deu num desses dias difíceis.

Há um tempo, ele quis comprar uma bandana estampada com a imagem de uma favela que viu na internet, mas não aceitavam pagamento com o cartão de Israel. Então meu filho encomendou para nós lá no Brasil e eu trouxe para ele na minha última viagem.

O Yossi tinha as mãos de ouro e deixou no centro cultural muitas lembranças, produtos do trabalho de suas mãos: os fechos das portas dos banheiros; a luz do lado de fora do apartamento para não ficarmos na dependência da luz automática do prédio; o fechamento da porta de vidro entre as salas que nunca se encaixavam; os spots de parede que ele escolheu e trocou; fiações queimadas e "ene" lâmpadas trocadas... 

No último ano, ele estava reclamando de dores no estômago, depois descobriu que era câncer e começou um tratamento. Apareceu algumas vezes, outras eu ligava pra ele, precisava dele, mas nem tinha coragem de dizer... Esperando pela recuperação dele, fomos acumulando lâmpadas queimadas... Evitava ligar pra ele, para ele não pensar que eu ligava só porque precisava dos serviços dele... Da última vez que nos falamos, preocupadas que estávamos com seu o sumiço, ele disse que agora nós é que tínhamos que visitá-lo. Entendi que as coisas não iam bem... Assim, depois de quase dez anos, tivemos que contratar novo eletricista. Após pesquisa, orçamentos e serviço contratado pensei, agora posso falar com o Yossi sem parecer que estou ligando pelos serviços dele... E nada de encontrá-lo. Whatsapp ele nunca respondia mesmo, mas o telefone, sempre... Não atendeu... 

Não conheço sua família, apenas sei que morava em Ramat Gan, era divorciado, tinha uma filha única e dois netinhos lindíssimos, que sempre me mostrava as fotos... Os meninos eram parecidos com ele, tinham seus olhos claros. Nos últimos anos queria se aposentar, só queria saber dos netos, que lhe supriam afeto, amor e alegria. 

O Yossi andava de korkinet (patinete elétrica) e eu de bicicleta e depois moto (Katnoa). Todas as vezes que nos encontrávamos na rua em nossas idas e vindas ele dizia: Rachel, shmiri al atzmeh (se cuida). Eu respondia, Yossi, shmor al atzmehá (se cuida)... Afinal, korkinet é bem mais perigoso. Ele vendeu a korkinet nos últimos anos. Eu vendi a moto há um ano, e quando ele ficou sabendo, se alegrou muito. 

E, então, lá se foi o Yossi ser anjo no Céu... Meu talentoso handy man e amigo, sem eu saber exatamente quando nem como passou seus último dias... Mas fica sempre o perfume das mãos que sabem ser cuidadosas... 


Abençoada seja a memória de Yosef Sterenberg, z’’l. 

Raquel Teles Yehezkel 

Tel Aviv 21.4.2023

Yosef Sterenberg com os netos 







domingo, 12 de março de 2023

Camões, Renato Russo e um chimarrão

Há um tempo, um amigo argentino, que gosta de chimarrão, caminhadas e de literatura, e vai às vezes ao centro cultural da Embaixada do Brasil em Tel Aviv, onde trabalho, buscar livros para seus passatempos, levou consigo "Os Lusíadas", de Luis Vaz de Camões. Dias depois, se referindo à leitura do livro que levara, me perguntou via mensagem: "Você acha difícil?". Eu disse que achei muito lindo quando li na escola, mas que havia lido com acompanhamento de um professor. Ele respondeu: "É mesmo, precisa um pouco mais de paciência e atenção. Mas nada que tamanha obra não mereça! 😌💪". Resposta que me encantou pela satisfação que expressava em aceitar o desafio: um argentino em Israel, lendo Os Lusíadas em português!, algo nada corriqueiro.

Passaram-se uns dias, e Marcos Ivan Fernandez, o argentino, me manda a foto do livro, um chimarrão e, pasmem, pães de queijo à brasileira, à sombra de uma árvore... Estava posto o desafio! Mais tarde, manda a foto de uma página com um poema e a seguinte legenda: "E eu toda a vida acreditei que Renato Russo criou isso kkkkkk Você sabia disso?!". Não, eu não sabia!, respondi...
O que eu sabia é que na música de Renato Russo - Legião Urbana a que ele se referia havia uma interlocução com um trecho muito conhecido da Bíblia, que eu achava ser parte dos Salmos...
Intrigadíssima, corri para fazer uma pesquisa, digitando "ainda que eu falasse a língua dos anjos, sem amor eu nada seria"... e logo encontrei que era Paulo de Tarso em: 1 Coríntios 13: "Ainda que eu falasse as línguas dos homens e dos anjos, e não tivesse amor, seria como o metal que soa ou como o sino que tine.
E ainda que tivesse o dom de profecia, e conhecesse todos os mistérios e toda a ciência, e ainda que tivesse toda a fé, de maneira tal que transportasse os montes, e não tivesse amor, nada seria".
E postei este trecho para o amigo.

Abaixo, o poema de Camões me enviado por Marcos Ivan:

"Amor é fogo que arde sem se ver,
é ferida que dói, e não se sente;
é um contentamento descontente,
é dor que desatina sem doer.

É um não querer mais que bem querer;
é um andar solitário entre a gente;
é nunca contentar-se de contente;
é um cuidar que ganha em se perder.

É querer estar preso por vontade;
é servir a quem vence, o vencedor;
é ter com quem nos mata, lealdade.

Mas como causar pode seu favor
nos corações humanos amizade,
se tão contrário a si é o mesmo Amor?"

Movida pelo bate-papo, nessa pesquisa descobri que "Monte Castelo" de Renato Russo, que eu tanto conhecia, é quase que literalmente o poema de Camões musicado, iniciado e terminado por uma frase de Paulo em Carta aos Coríntios - algo que os entendidos já sabiam, claro, mas que eu só vim a saber por meio dessa conversa...

Se não bastassem as surpresas, Marcos Ivan ainda fez, em português, a análise de "Os Lusíadas": "O poema é épico! Tem tudo! Engenhoso, poderoso! Ágil, muita arte junta, e a literatura do Camões é perfeita!!!! Sem dúvida um texto universal!!!! Começa já com o panteon dos deuses greco-romanos discutindo sobre o futuro dos lusos!!!! Nooossa, tá ótimo!!! A parte histórica da obra também é ótima! Antes do início do primeiro canto, tem uma carta de aprovação da inquisição!!! Achei um detalhe muito doido e histórico".
E termina os comentários assim: "Hoje aprendemos algo! O dia valeu a pena!!!! Kkkkkk😌🤝💪". 

Só por diálogos como este, o meu trabalho já valeria a pena... Mas muito mais que isso - é fascinante! 

Segue a descrição do leitor argentino ao deparar-se, com um chimarrão às mãos, com Renato Russo nas páginas de Camões. "O que mais me explodiu na cabeça foi que quando comecei a ler o poema, lá no segundo verso comecei a ler cantado, com um ritmo de canção. Isto foi inconsciente por um momento até que notei e comecei a raciocinar kkkk E quando entendi quasse morri rsrsrsrs. Imagina uma letra de rock que você amou na adolescência, que ainda hoje é tão atual, ser uma poesia que data de vários séculos atrás! Essas doces surpresas literárias!!!! Kkkk". 

E minha surpresa não foi em nada menor que a dele...

***

Raquel Teles Yehezkel 

Israel 13.3.2023

Fontes: 

https://www.bibliaonline.com.br/acf/1co/13

https://m.letras.mus.br/blog/analise-da-musica-monte-castelo/ 

https://youtu.be/ArcaQkt0bhA


Foto de Marcos Ivan Fernandes

O poema de Camões e a conversa 
com Marcos Ivan 

Da Wikipedia 



domingo, 5 de março de 2023

Língua e literatura nas mídias sociais

Costumo seguir alguns linguistas e professores de literatura. E esta não é uma atividade meshaamemet / entediante. Pasmem, sou constantemente pega por surpresas e discussões incríveis! Pelo menos pra mim.

Por exemplo, o professor Marcos Bagno postou em 3.3.2023 algo sobre o episódio de Fernanda Torres ter citado que a etimologia de "coitado" seria de coito, quando, segundo ele, qualquer consulta a um dicionário mostraria que se origina de "coita" que significa "sofrer". Em 4.3.23, o professor Sírio Possenti aproveitou essa discussão para acrescentar que leu numa revista uma resenha interressante sobre a língua, à qual fez a ressalva de que o autor não utiliza o conceito de "português popular", mas de "português errado", conceito este inadequado na linguística moderna ao se referir a um falante nativo de uma língua. 

Nesta mesma linha, Bagno fez outra postagem em 4.3.23 criticando escolhas no uso da língua, por uma revista que ele costuma ler, dizendo que nela foi abolido o uso legítimo do gerúndio, amplamente difundido na língua brasileira, em prol da forma "a + verbo no infinitivo" como usado em Portugal. E que também estariam abolindo o uso da oração adjetiva (relativa), como em: "a reforçar as desigualdades", quando deveria ser "que reforça as desigualdades".

Ainda sobre língua e literatura, a postagem mais interessante, que despertou este texto, foi feita em 4.3.23 pelo professor Deonisio da Silva. Ele postou um documento levantado numa pesquisa de Claudio Soares, mostrando que o conto "O Alienista" de Machado de Assis, originalmente publicado em "folhetim", tinha um fim diferente daquele que conhecemos dos livros de Machado. Nos comentários do post, Cláudio Soares, autor da pesquisa, afirma que isso não surpreendeu os pesquisadores, pois é sabido que entre a publicação em folhetins de então até a publicação em forma de livro, o texto poderia sofrer revisões. E cita como exemplo dessas mudanças um "lapso" existente em Dom Casmurro, cuja história no folhetim começaria em Cantagalo enquanto no livro que conhecemos, começa em Itaguaí. 

Todas essas observações me levaram à reflexões sobre os saberes e informações disponíveis nas redes, me conectando a uma conversa com meu filho que recentemente optou por se desconectar delas com o objetivo de se dedicar à atividades mais significativas do seu dia a dia e se afastar das superficialidades difundidas pelas redes. Pelas muitas informações preciosas que recolho das mídias sociais, umas mais relevantes outras menos, tendo a enxergá-las como meio de colher informações, e não apenas como fonte de distração, que também são, sem dúvidas. Informações que chegam em pílulas, cabendo a cada um se aprofundar ou não conforme seu interesse. Tudo ali disposto como em um bufê self-service onde cada um, a princípio, escolhe entre o joio e o trigo o que quer ler e ver. Mesmo consciente de que nem todos podem escolher, tendo a achar que a rede deveria nos servir, nos ser útil, abrir nossas cabeças para conhecimentos múltiplos, possíveis de serem filtrados por meio de mecanismos reguladores diversos. Caberia a quem regular o que ali se deposita? A quem caberia regular o seu uso? Esta é mais uma discussão desafiadora na pauta das atualidades... 

É incrível poder acompanhar em tempo real as mais modernas discussões sobre a nossa língua e literatura e, ao mesmo tempo, a ampla discussão sobre o uso das mídias sociais...

****

P.S. As reflexões que levanto na mídia social, que os professores trazem às redes, muitas vezes são as sementes que podem gerar estudos, resenhas ou artigos. Com algumas mudanças...

Israel 5.3.2023

Raquel Teles Yehezkel:

Fontes:

- Postagens de Deonisio da Silva sobre o final do conto "O Alienista" de Machado de Assis e sobre o trabalho de Cláudio Soares. Link acessado em 5.3.2033: 

https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=pfbid04ih6uVPhG23GrKN6jnJSenDYdYAmDJYubzjDu6H6YyNzfqMDVGfkkU3LWrfRoH9Ql&id=100000369896973&mibextid=Nif5oz 

https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=pfbid0uimzSxFgzSTNuLK3nbstfeR7LDCQPdGJeMueLAYG874VAi3oVD9q1G4cuj4TkmN2l&id=100000369896973&mibextid=Nif5oz

- Link das postagem de Marcos Bagno, acessadas em 5.3.2023 de

https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=pfbid02vTuukYqQRdVAH8njiBLTa5xcpQNTDDFnQwV6CbmPJMLunhXtDDYg4YmpkhdEsVgMl&id=100002532385353&mibextid=Nif5oz

https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=pfbid02nwWW4guzf5YyENH4qzVPKXFqzT7HRLsZjU2NJU4WecMckTbX2v89bv4UvXa8uLrzl&id=100002532385353&mibextid=Nif5o

- Link da postagem de Sírio Possenti acessadas em 5.3.2023: 

https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=pfbid0GnQEXyyjKirnyESBJ5zDjCGPPi8GnN4VZT48JhbX83BQBsvnoPguWzbDLkv6j5P2l&id=100012193955602&mibextid=Nif5oz

Link para postagem de Cláudio Soares sobre mudanças em Dom Casmurro:

https://m.facebook.com/story.php?story_fbid=pfbid024nBm7zHRNjzgVS16yPretQxLn8m3T3FGnmfsDvSw6FMfnEauLpfGvNGRJ2p8A6rol&id=589386353&mibextid=Nif5oz


Capa de "O Alienista" de Machado de Assis



domingo, 26 de fevereiro de 2023

O último Carnaval

Nada do que foi será de novo 

do jeito que já foi um dia...

Lá se foi mais um Carnaval

marcado por alegrias e tristezas, 

na natureza revolta - no litoral paulista, 

na violência em Nablus, 

na reforma judiciária que o governo bibista tenta impor,

na decadência da saúde pública,

nos escombros dos terremotos

na Turquia e na Síria...

Grandes, pequenos e infinitos 

mundos em desabamentos...

E mesmo em meio

à tristeza

à merda, 

é possível nascer uma flor,

um sorriso, 

um único ato 

de amor... 

Que nos mantém vivos

na espera

esperança...

na vida...

Na alegria de mais um Carnaval...

Como uma onda no mar...

Só mesmo a poesia

pra dar conta 

do que não se pode dar conta...

Só mesmo a poesia...

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Israel, Carnaval 2023 




quarta-feira, 8 de fevereiro de 2023

To the lovely Alon

"To the lovely Alon, Keep up the amazing work! The world is so lucky to have you in it - here's to a wonderful year ahead! 

With love, the Citizen Cafe team.”

As flores, o vinho e o cartão, meu filho caçula recebeu no Brasil, trabalhando para uma empresa em Israel, em regime de home office enquanto passa uma temporada de 4 meses por lá. Quando não há ninguém o observando de perto, ele mostra mais uma vez responsabilidade, dedicação e garra em relação ao trabalho. Atualmente, para se rodar o mundo, não se precisa mais abandonar o trabalho, muitas empresas aceitam o regime remoto e presencial intercalados. 

Alon foi durante 4 anos, com muito sucesso, o gerente de eventos do restaurante Claro, considerado entre os melhores de Tel Aviv. Trocou um ambiente bom de trabalho, em que ganhava melhor, por uma empresa em que pudesse trabalhar em regime híbrido para que se tornasse possível realizar outros sonhos. E após 6 meses de treinamento na empresa, foi liberado para um período de 4 meses fora, realizando seu sonho de estender tempo maior junto à família e amigos no Brasil. Trabalha com clientes falantes de inglês que se interessam em aprender hebraico! Faz parte do setor de vendas da Citizen Cafe, empresa que oferece cursos de hebraico online. É fácil? Não. Mas kanirê ele desempenha bem sua função. Este menino criativo, de coração gigante, bom companheiro, responsável e divertido fez por merecer um presente mefanek que o alcançasse do outro lado do mundo...

Ele é assim, uma luzinha no mundo. E para mim, um farol gigante que ilumina e aquece a minha vida. 

Israel 7.2.2023



Foto de Debi Barzellai 











sábado, 4 de fevereiro de 2023

Para gostar de ler Guimarães Rosa: o encontro de Riobaldo e Diadorim no de-Janeiro e São Francisco

A passagem que descreve o primeiro encontro entre Riobaldo e Diadorim (Reinaldo), protagonistas do romance de Guimarães Rosa em Grande Sertão: Veredas, é para mim o trecho mais bonito da literatura brasileira. Por isso, nada mais indicado que lê-lo quando se procura um primeiro contato com o texto deste escritor genial. Porém, carece de ser lido bem devagar, buscando entender e apreciar cada linha do linguajar sertanejo. 

Indico a seguir dois textos para leituras que ajudarão a entender melhor e, em consequência, a amar os textos de Guimarães Rosa. O primeiro, é a carta escrita para Rosa pelo grande poeta Manuel Bandeira, sobre Grande Sertão e sua linguagem inovadora - como uma introdução ao estilo peculiar do escritor e ao tema do romance. Sobre o comentário nessa carta de Bandeira a respeito da decepção de Diadorim, ao final do livro, ser revelado como mulher, não me parece comprometer o caráter inovador do romance. Pelo contrário, tendo Diadorim vivido como homem a vida inteira, desde menino, quando apareceu pela primeira vez, até a sua morte, Riobaldo o amou de homem para homem, na vida do cangaço no sertão. Ele não amou uma mulher. E isso por si só era desconcertante nos anos de 1950 e mais ainda no cenário dos homens-machos do interior do Brasil. Diadoriam (Reinaldo) ser sexualmente mulher não muda o fato de Riobaldo ter amado Reinaldo, um amor homosexual, sendo Diadorim o primeiro protagonista trans do romance brasileiro.

O segundo texto é o trecho do romance que descreve o primeiro encontro entre os dois protagonistas, destacado em matéria da revista online "Verso, Prosa e Arte". Nele, Riobaldo narra a sua história para um interlocutor, um homem culto, que vai anotando tudo o que ouve e vê em caderninhos... Este interlocutor, que não fala nunca, que não dialoga apesar de ser inquirido o tempo todo pelo narrador, é o escritor em sua viagem pelo sertão mineiro. Marli Fantini Scarpelli (UFMG) genialmente denomina este texto de monodiálogo. São 600 páginas em um único fôlego, num monodiálogo difuso. Há também, nessa matéria, um curta-metragem lindíssimo, de 8 minutos: "Rio de-Janeiro, Minas", de Marilyn da Cunha Bezerra, imperdível, lento, lírico, para se ver sem pressa...

O rio São Francisco, poeticamente descrito neste trecho, é o mesmo que serviu para as primeiras "Entradas" dos desbravadores portugueses que partiram da Bahia adentrando o interior do Brasil Colônia... O velho Chico... Descrito por Rosa como um rio de águas tranquilas em sua superfície, mas obscuras em suas profundezas, assim como nós. "A aguagem bruta, traiçoeira – o rio é cheio de baques, modos moles, de esfrio, e uns sussurros de desamparo (in GSV)." Quase como um mar, de onde de uma margem não se avista a outra, como nesse primeiro encontro entre Riobaldo e Diadorim (Reinaldo) - que se amararam desde então, adolescentes ainda - e que numa canoinha guiada por um menino "barranqueiro" entraram no temeroso Chico, vindos pelo rio de-Janeiro (de Minas)...

Minha mãe achava que o rio São Francisco era do pai dela rsrsrs pois nasceu e cresceu às suas margens, nas fazendas Lagoa Verde - Machados, em Bom Despacho, Minas. Durante toda a minha vida atravessei o São Francisco a caminho de minha cidade natal, Dores do Indaiá, ou a caminho da fazenda da família na região de João Pinheiro, Bonfinópolis, em Brasilândia. Em Morada Nova, quando se vai de Dores do Indaiá para a fazenda, se atravessa o Chico de balsa, ainda hoje. Em Três Marias, se pode comer peixe fresco às margens da represa, num dos restaurantes próximos à ponte.

Parafraseando Riobaldo, o São Francisco é o meu rio de amor. Ele disse isso a respeito do Urucuia, rio em que já pesquei chegando a ele por seu afluente, o Conceição, que cortava a fazenda do meu avô lá pelas bandas do Urucuia, região de Unaí. A Riacho do Campo, fazenda que a família mantém até hoje, onde cresci com os pés em veredas, fica situada ali, entre os rios Urucuia e o Paracatu, no município de Brasilândia de Minas, no sertão-veredas descrito por Rosa nesse grandioso romance.

Falar sobre este tema enche meu coração e, espero, possa também preencher o seu - como nos dias em que o velho Chico transborda às margens em alegrias...

Raquel Teles Yehezkel

Israel 3.2.2023

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Link para a carta de Manuel Bandeira a João G. Rosa. Acessado em 3.2.2023: 

https://www.revistaprosaversoearte.com/joao-guimaraes-rosa-carta-de-manuel-bandeira-o-romance-de-riobaldo/?amp=1

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Link para o filme e o trecho em que Riobaldo e Diadorim se conhecem - acessado em 3.2.2023:

https://www.revistaprosaversoearte.com/riobaldo-e-diadorim-o-encontro-no-porto-do-rio-de-janeiro-e-a-travessia-pelo-rio-sao-francisco/?amp=1 

Rio São Francisco

Córrego Caiçara, Riacho do Campo, MG



quinta-feira, 2 de fevereiro de 2023

Entre a sala e a cozinha

Comecei o dia pensando em minha mãe. Na vivência dela. Em como pode alguém se tornar tão gigante sem quase nunca sair de casa... Como?... 

Vivia pra família. Cumpria com zelo suas obrigações. Fazia compras pra casa, buscando sempre as ofertas, conduzia a rotina com calma e constância. Acordava cedo para acompanhar a saída dos filhos para a escola ou o trabalho. Em casa, passava o dia a costurar, a adaptar e consertar roupas para os filhos e roupas de cama. Também pintava panos de prato, bordava nossas roupas e lençóis (as irmãs dela também, todas muito prendadas). Adorava ler, e escrevia também. Gostava de cantar e sua voz era linda e afinada. Era muito próxima de Deus - numa fé inabalável. Não tenho nenhum desses talentos... 

Demarcava a hora do almoço, merenda e jantar. Nos levava ao parque, se preciso, ao clube, à visitas aos parentes, passávamos longas temporadas juntos nas fazendas. Acompanhava se cumpriámos os deveres de casa, exigia que arrumássemos nossas camas diariamente e a casa aos fins de semana. Era enérgica, ao mesmo tempo muita serena. Às vezes ficava brava e nos batia - sempre no bumbum, dizia que bater no rosto fazia a pessoa perder o respeito, quer dizer, havia limites para o castigo rsrsrs 

Tinha sempre uma aura de otimismo e bom humor. Era engraçadinha, fazia trocadilhos, tiradas humoradas, um talento nato da família dela, todos têm. É essa herança que mais invejo não ter herdado, a de fazer outros rirem rsrsrs Uma majestade em seu pequeno reino.

Não ruminava raiva, nem mágoa, as coisas ruins esquecia depressa. Era amorosa sem abraços e beijos - em receptividade, em doação para a casa, para nós, para a sua família toda. Recebia primos, parentes, compadres, sobrinhos, amigos dos filhos. Em sua casa comiam 10 ou 20. Jamais nos disse para não convidar alguém. Casa aberta e hospitaleira. Fazia doces em tachos, biscoito ou pão de queijo, batia um sorvete, estourava uma pipoca, coava um chá e um café (mas só tomava chá, jamais café), sempre um queijo minas (já amassamos alguns juntas) e a mesa estava posta. Era discreta, não esticava nem aumentava conversas... 

Fico pensando em como uma pessoa caseira, reservada, alegre de pouca fala, sem grandes sonhos de mundo, tinha uma força tão grande. Seu nome ia à frente, levado pela educação dos filhos, pelo brilho deles na escola e no trabalho, pelas roupas bem feitas, pela casa aberta... 

Em Dores do Indaiá, onde nascemos, ela era a Maria do Emídio rsrsrs pois naquela terra era forasteira. Era dali pertinho, de Bom Despacho e Luz, mas ali ele era local, havia gerações - alegre, extrovertido, mandão, neto de italiano, falava alto ocupando todo o espaço onde chegava rsrsrs 

E exatamente nesse mesmo dia, na volta do trabalho para casa, tendo feito essas considerações pela manhã, li alguns comentários sábios da jornalista Sivan Rahav Meir sobre a parashá da semana (porção da Bíblia semanal, lida em todas as sinagogas do mundo). Diziam que toda mudança começa em casa, na vida privada, especialmente na mesa de refeição - num espaço simbólico entre a sala e a cozinha, em que se dá a vida social da família, onde a socialização com o outro se inicia e cria suas bases. 

E assim, começando o dia pela falta de minha mãe, caminhando pela sua influência em nossas vidas, em como essa estrela brilhante em sua pequena constelação familiar iluminava e influenciava tantos, passando pela volta à casa no fim do dia e pelos ensinamentos da parashá da semana no ônibus, cheguei ao ponto final - em casa, onde tudo começa e termina.

Sim, os atos rotineiros têm o poder imenso do exemplo vivo. Sim, as grandes mudanças se concretizam a partir de atos corriqueiros em seu próprio entorno.

Raquel Teles Yehezkel 

Israel, 2.2.2023

Meus pais com a família reunida


segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Brisa de esperanças

Venha brisa de esperanças... 

Venha de verde e cubra o nosso país.

E espalhe-se entre nós de norte a sul.

Leve embora o grotesco, a cizânia, as fakes, os fakes, os oportunistas de plantão...


Que a educação, a natureza, a cultura, a saúde para todos sejam as estrelas brilhantes a guiar. 

Que as oportunidades e a prosperidade cheguem para todos.


Que a palavra Amor seja devolvida ao lema de nossa bandeira: 

"Amor, Ordem e Progresso". 

Pois de que valem a ordem e o progresso sem amor? 

Sem amor, ordem e progresso tornam-se tirania.


Apesar das muitas ressalvas,

- e elas são muitas, 

venha esperança,

venha 

realizar os sonhos...

Mais uma vez te aguardamos de peito aberto... 

Quem sabe desta vez 

não trairá sua pátria amada... 


💚💛💙🤍

Raquel Teles Yehezkel 

1.1.2023