sexta-feira, 21 de abril de 2023

Meu talentoso handy man

 Yossi era meu amigo.

Não desses amigos com quem conversamos ou passeamos juntos. Mas desses amigos que você sabe que aparecerá quando você precisar dele. Israelense raiz rsrsrs: impaciente, direto demais, eficiente, inteligente, bom e de confiança. Yossi foi meu handy man por quase 10 anos. 

Ele era eletricista. Durante anos, o pai dele tinha uma lojinha de material elétrico no Kikar Massarik em Tel Aviv e assim também ele se formou eletricista. Depois foi fazer a vida na América, como os isralenses costumam dizer, onde viveu por uns dez anos. Quando voltou, assumiu a loja do pai, ao estilo dos muitos altesachen (velharias) por aqui. E a manteve assim até que, maldizendo o mas-harnassa (imposto de renda), o violento "Leão" israelense, há uns 5 anos fechou a sua lojinha na Massarik. Tendo o pai e ele atendido muita gente na região, colocou o material que sobrou da loja num quartinho do miklat (abrigo antiaéreo) do prédio do centro cultural do Brasil na Sderot Hen, onde eu trabalho, e continuou a atender os vizinhos, como de costume. 

Dava tranquilidade saber que tinha o Yossi por ali. Me "salvou" muitas vezes, algumas sem cobrar, pois sabia que precisávamos fazer três orçamentos para a contratação de serviços, mesmo se pequenos. Era só ligar que logo logo ele aparecia. Já até escrevi numa crônica sobre a ajuda que ele me deu num desses dias difíceis.

Há um tempo, ele quis comprar uma bandana estampada com a imagem de uma favela que viu na internet, mas não aceitavam pagamento com o cartão de Israel. Então meu filho encomendou para nós lá no Brasil e eu trouxe para ele na minha última viagem.

O Yossi tinha as mãos de ouro e deixou no centro cultural muitas lembranças, produtos do trabalho de suas mãos: os fechos das portas dos banheiros; a luz do lado de fora do apartamento para não ficarmos na dependência da luz automática do prédio; o fechamento da porta de vidro entre as salas que nunca se encaixavam; os spots de parede que ele escolheu e trocou; fiações queimadas e "ene" lâmpadas trocadas... 

No último ano, ele estava reclamando de dores no estômago, depois descobriu que era câncer e começou um tratamento. Apareceu algumas vezes, outras eu ligava pra ele, precisava dele, mas nem tinha coragem de dizer... Esperando pela recuperação dele, fomos acumulando lâmpadas queimadas... Evitava ligar pra ele, para ele não pensar que eu ligava só porque precisava dos serviços dele... Da última vez que nos falamos, preocupadas que estávamos com seu o sumiço, ele disse que agora nós é que tínhamos que visitá-lo. Entendi que as coisas não iam bem... Assim, depois de quase dez anos, tivemos que contratar novo eletricista. Após pesquisa, orçamentos e serviço contratado pensei, agora posso falar com o Yossi sem parecer que estou ligando pelos serviços dele... E nada de encontrá-lo. Whatsapp ele nunca respondia mesmo, mas o telefone, sempre... Não atendeu... 

Não conheço sua família, apenas sei que morava em Ramat Gan, era divorciado, tinha uma filha única e dois netinhos lindíssimos, que sempre me mostrava as fotos... Os meninos eram parecidos com ele, tinham seus olhos claros. Nos últimos anos queria se aposentar, só queria saber dos netos, que lhe supriam afeto, amor e alegria. 

O Yossi andava de korkinet (patinete elétrica) e eu de bicicleta e depois moto (Katnoa). Todas as vezes que nos encontrávamos na rua em nossas idas e vindas ele dizia: Rachel, shmiri al atzmeh (se cuida). Eu respondia, Yossi, shmor al atzmehá (se cuida)... Afinal, korkinet é bem mais perigoso. Ele vendeu a korkinet nos últimos anos. Eu vendi a moto há um ano, e quando ele ficou sabendo, se alegrou muito. 

E, então, lá se foi o Yossi ser anjo no Céu... Meu talentoso handy man e amigo, sem eu saber exatamente quando nem como passou seus último dias... Mas fica sempre o perfume das mãos que sabem ser cuidadosas... 


Abençoada seja a memória de Yosef Sterenberg, z’’l. 

Raquel Teles Yehezkel 

Tel Aviv 21.4.2023

Yosef Sterenberg com os netos 







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