sábado, 13 de dezembro de 2025

Kerem Hashalom/ Vinhedos da Paz

Fui com um grupo de brasileiros visitar o entorno de Gaza e o kibutz Kerem Hashalom (Vinhedos da Paz), localizado no ponto mais extremo ao sul de Israel, na fronteira tríplice de Israel, Gaza e Egito, a 800 metros de Rafah, um dos muitos kibutzim da região que conseguiram conter a invasão do Hamas ao centro de Israel.

O kibutz Kerem Hashalom é formado por israelenses idealistas que fundaram um microcosmo que espelha a sociedade israelense: famílias laicas e religiosas que buscam o desafio de conviver com as diferenças, com respeito, harmonia e democracia. Entre as famílias, há uma brasileira, prima do rabino Ivo Zilbermam, da Kehilat Or Israel de Raanana. O kibutz tem até a Praça Brasil, em homenagem a brasileiros que contribuiram com a plantação de árvores e de um vinhedo no Kibutz. 

Na manhã de 7 de outubro, o Kibutz, que tem 28 famílias, abrigava 50, pois era o último dia das férias de Sucot / Tabernáculos e o kibutz estava cheio de familiares e convidados se preparando para o feriado de Simchat Torah, quando, em todas as sinagogas do mundo, recomeçam o novo ciclo da leitura da Torah - em Gênesis. E quando os alarmes antimísseis soaram por toda a região, ninguém poderia imaginar o que estava por vir. 

Fomos recebidos no Kibutz completamente vazio, declarado como zona de guerra, pelo membro do kibutz Dudi Rabi, que nos contou como sobreviveram à invasão do Hamas. Segundo Dudi, os muros que fazem a fronteira com Gaza e que cercam o Kibutz por aquele lado têm 50 metros de profundidade, para evitar os túneis, e 5 metros de concreto armado acima do solo. Para além dele, há uma zona de segurança vazia (que aparece nas fotos), com duas cercas elétricas monitoradas por câmaras. Eles se sentiam seguros, com esta proteção tecnólogica e com uma equipe de segurança bem formada (kitat hakonenut). Com todas as famílias protegidas em quartos-abrigos dentro de suas próprias casas, logo que foram informados de que havia penetração de terroristas no território israelense, se armaram de prontidão. Ele era da equipe e logo teve que deixar sua esposa e seis filhos em casa, dentro do abrigo, e sair para o combate. Todos se comunicavam por grupos de whatsapp. 

Havia no muro de fronteira entre Israel e Gaza 90 pontos de vigília computadorizados, que enviam imagens para postos de segurança e que naquela manhã não funcionaram. Assim, pessoas do Hamas armados com bombas, detonaram e romperam o muro de concreto em mais de 100 pontos diferentes ao longo de toda a fronteira de 60 km, por onde entraram cerca de 6 mil homens. 

O muro que fazia fronteira com o Kibutz Kerem Hashalom foi rompido e por ali entraram dezenas de terroristas do Hamas. Na equipe de segurança do Kibutz (kitat hakonenut) havia 12 pessoas, 9 membros do Kibutz e 3 soldados do exército. Quando viram terroristas dentro do Kibutz pediram socorro à base de Reim, mas foram informados que eles também estavam sob ataque e que não poderiam mandar reforço naquele momento. Durante horas combateram dentro do kibutz, até que chegou um helicóptero que, com as coordenadas dos combatentes do Kibutz, atirou na região das placas de energia solar de onde saíram cerca de 50 terroristas ali escondidos - filmados pelo helicóptero. 

Em certo momento, receberam mensagem de que a primeira casa, a próxima ao muro, fora invadida e que tentavam arrombar a porta do abrigo antibomas, cujo pai, Amichai Schindler, segurava no braço pelo lado de dentro. Dudi e mais dois combatentes foram em direção à casa dos Shindler e ao chegarem lá Amichai Waitsman foi abatido por tiros vindos da janela da casa e, logo em seguida, Yedidiya Raziel recebeu tiros vindos do muro detonado. Dudi se aproximou e viu que o amigo estava sem pulso, então jogaram uma granada em sua direção. Enquanto isso, dentro da casa, Amihay Sindler continuava a segurar a porta na força, até que jogaram ali uma granada e ele teve os dois braços decepados. De alguma forma as forças de segurança conseguiriam adentrar e retomar o domínio da casa. Dudi então pediu socorro a um médico que estava no Kibutz. Às 12 horas chegou reforço de 30 soldados, e então conseguiram retomar o domínio do Kibutz, neutralizando os terroristas que entraram por ali. 

Apenas às 20h da noite do dia seguinte, no domingo, as famílias foram autorizadas a deixar os abrigos em direção aos ônibus que chegaram para evacuar o Kibutz Kerem Hashalom em direção ao Mar Morto. Ao se reunirem na praça central, ficaram emocionados ao verem cerca de 200 pessoas, todas vivas, sobreviventes deste ataque. O Kibutz havia perdido 2 membros, Amihay Waitsman e Yedidiya Raziel e outros dois soldados do exército. Outros que chegaram em socorro morreram lutando nas cercanias do kibutz naquele dia. Havia muitos terroristas abatidos dentro do kibutz. 

Ao deixarem o kibutz, se comoveram com o que viram: havia filas e filas de carros de cidadãos israelenses que chegavam por conta própria à região da fronteira, para, de forma voluntária, lutar contra os terroristas. Eles não estavam sozinhos, Am Israel estava lá para ajudá-los. 

Os membros do kibutz Kerem Hashalom passaram quatro meses num hotel do Mar Morto, depois foram transferidos para um kibutz na região de Mitzpeh Ramon até haver uma resolução definitiva. 

A visita ao Kibutz de fronteira e em especial à casa da família Shindler, ainda enfeitada com adornos de Rosh Hashanah, foi uma experiência muito difícil, mas essencial como testemunha destes trágicos eventos. 

****

Raquel Teles Yehezel 

1.7.2024


Visita ao Entorno de Gaza (Otef Aza) foi organizada pela comunidade da sinagoga brasileira Or Israel de Raanana, liderada pelo rabino Ivo Zilberman. Marcel Berditchevsky foi o guia desta visita. Dudi Rabi foi nosso receptor no Kibutz e nos contou tudo isso que aqui relato em primeira mão. E contou muito mais, mas não caberia neste curto relato. 

Que a memória de Amihay Waitsman, de Yedidiya Raziel e todos os outros que pereceram neste ataque seja sempre luz e benção sobre toda Israel.

Jardim do kibutz Kerem Hashalom na triplece fronteira de Israel com Gaza e Egito

Visão do muro por onde entraram e 
da casa dos Schindler 

Fotos dos rompimentos do muro

Amihay Waitsman e Yedidiya Raziel e outros que chegaram em socorro morreram lutando nas cercanias do kibutz

A sinagoga do kibutz 

Lista de brasileiros que ajudaram a plantar o vinhedo da paz e novas árvores no Kibutz Kerem Hashalom 



Nenhum comentário:

Postar um comentário