Cheguei a Israel pela primeira vez em Pessach de 1984, no Kibutz Hatzor, em Gedera. Eu estava completamente apaixonada por um sabra melach haaretz que havia conhecido um ano antes, a caminho de Machu Picchu. Nissim nasceu e se criou em Petah Tikva, filho de imigrantes do Iraque. Estudou até os 14 anos em escola religiosa, Netsah Israel, e se formou técnico em eletricidade na prestigiosa escola secundária Amal Bet de Petah Tikva, o que lhe possibilitou ingressar na unidade 8200 no serviço de Inteligência/ Modi’in quando se alistou no exército. Maratonista desde jovem, corria entre os pardessim/ campos que ligavam Petah Tikva ao mar.
Nos conhecemos em Cochambaba, na entrada de um hotel, e passamos dez dias juntos passeando pela Bolívia. Muito rapidamente nos reconhecemos como almas gêmeas. Eu completara 22 anos naqueles dias, estudava História na Universidade Federal de Minas Gerais e viajava de férias com uma prima e três amigas. Ele, lobo solitário desde sempre, rodava a América do Sul após servir quatro anos na Tzahal, no Sinai e em Ramat Hasharon. Depois de viajar pelo Equador, Peru, Bolívia e trabalhar quatro meses na guarda da Embaixada de Israel na Argentina, chegou à minha casa, em Belo Horizonte. Lá comprou uma Honda CB 400, e, juntos, percorremos 14.000 km pelo Nordeste do Brasil.
Apesar de culturas distantes - eu vinha de família de pecuaristas do interior de Minas Gerais e ele, totalmente urbano -, tínhamos o mesmo background em música, literatura e cinema, além de forte atração e simpatia pelo país um do outro. Foi assim que, um ano após nos conhecermos, tranquei a matrícula no último ano da faculdade de História, deixei meu trabalho na livraria Leitura, empresa familiar, e "caí de paraquedas" no kibutz Hatzor, onde Nissim e Nathan Kacoviski, um amigo de Belo Horizonte que estava estudando no ulpan/ curso de hebraico do Kibutz, conseguiram para mim uma vaga no ulpan.
Um ano depois, em março de 1985, nos casamos no civil, por meio de uma procuração feita com a ajuda do advogado-notário Marcos Warsseman, e me tornei cidadã israelense com identidade azul e teudat olê - carteira de novo imigrante em Israel. Naquele tempo a parte burocrática era simples e recebi a carteira de identidade pelo correio, logo após o casamento.
A princípio, passamos por um período difícil, pois não tivemos o apoio imediato dos pais dele, que nos apoiaram só após o casamento. Desde então, me acolheram como filha. Alugamos um apartamento -estúdio no andar térreo da rua Dizingoff 24 e enquanto ele fazia faculdade e prestava serviços de guarda, eu estudava hebraico no Ulpan Meir, na rua King George, fazia baby sitter e limpava algumas casas. Quando meu hebraico melhorou, fui trabalhar de garçonete no Café Milano, na praça Milano, onde, na época, frequentavam músicos, artistas e jogadores de futebol. Conheci ali muita gente e tive contato com toda a vida cultural de Israel. Do Cafe Milano para a rua Dizingoff, passava pelo Keter Hamizrah, uma lanchonete de shawarma na Ibn Gvrol, onde, diariamente, se sentavam Eli Israeli, Arik Einstein, Itzhak Klepter e outros. Via-os sempre ali.
Após algumas crises, decidimos voltar para o Brasil, onde teríamos um caminho mais fácil, apoiados pela minha família. Em Belo Horizonte, converti-me ao judaísmo pelas mãos do rabino Efraim Grinsburg, de Porto Alegre, que trouxe um rabino ortodoxo de Curitiba, Ben Chayon, para realizar a minha conversão. Fiz o mikve e nos casamos na Sinagoga Tiferet Israel, em Belo Horizonte.
Entre idas e vindas, vivemos de 1991 a 1996 em Israel. Tendo, no passado, sido aceita na Universidade de Tel Aviv para o curso de História, onde havia feito Ulpan Kaitz em 1985, acabei optando por estudar Administração (Handessait Taassiah VeNihul) no Joseph College da Universidade de Tel Aviv, curso que me demandava menos hebraico e que meu marido havia estudado em 1984/6.
Após este período, ao regressarmos ao Brasil, Nissim e eu fundamos, em 1986, a editora Leitura, com o mesmo nome da empresa familiar, o que nos abriu portas para a importação, recém-liberada, de livros infantis cartonados. Assim, nos anos que se seguiram, me formei em Letras (UFMG) e durante vinte anos fui editora. Criei textos próprios e versões em língua portuguesa para coedições de livros infantis que vinham de diversos países da Europa. Revisei e coordenei a edição de centenas de livros de literatura brasileira, entre eles preciosidades como "Um rubi no umbigo" de Ferreira Gular, "O mulo" de Darcy Ribeiro, "O Matador" de Wander Pirolli - prêmio Jabuti 62 pelas ilustrações de Odilon Moraes, best-sellers como "Lulek: a história do menino que saiu do campo de concentração para se tornar o grão-rabino de Israel" do Rabino Lau, "Meu Israel" de Sabrina Abreu, entre muitos outros títulos importantes.
Em 2010, meu filho mais velho, hozer be teshuvá, se casou em Israel. Meu marido havia muito acalentava o sonho de retornar para estar próximo aos pais que envelheciam. Alon, o caçula, aos 14 anos, ingressaria em breve no segundo grau e víamos a possibilidade de uma absorção mais fácil antes disso. Assim, como toshavim hozerim/ cidadãos que retornam, chegamos a Israel, Alon e eu, em 30 de julho de 2010, para Ramat Hasharon, onde havíamos morado no passado e tínhamos muitos conhecidos. Ali, Alon entrou para a kitá tet / nono ano, um ano de absorção dificílimo para ele e, no ano seguinte, para a escola de artes, Tihon Alon, onde finalmente se encontrou na turma de teatro. Meu marido ficou ainda um ano no Brasil, para fechar os negócios e acompanhar o nosso filho do meio, que se formaria em um ano. Enquanto isso, em Israel, trabalhei numa loja de produtos judaicos, Rotem, e no Pashut Gan, ambos em Ramat Hasharon, até ser contratada em março de 2014, após processo seletivo, para dirigir do Centro Cultural Brasileiro (CCB Tel Aviv), instituição pertencente à Embaixada do Brasil em Israel, onde estou desde a sua abertura. O CCB Tel Aviv - que passou a se chamar Instituto Guimarães Rosa - faz parte de uma rede do Itamaraty, que possui 30 centros culturais e dezenas de Leitorados espalhados pelo mundo, cujo objetivo é difundir e valorizar a língua e a cultura brasileira no exterior.
Quando retornou a seu país de origem, meu marido teve dificuldades de se recolocar. Então criou uma revista local / mekomon com conteúdo relacionado a negócios e anúncios pagos, que servia à região de Sharon e Emek Hefer: “Kvish 4 - Kol ma shetov”, migrando depois para a internet. Após muitos esforços, fechou este negócio e comprou a franquia para uma rede de lavanderias com uma unidade em Shoham e outra em Petah Tikva, onde havíamos adquirido um apartamento próximo aos pais dele.
Nissim e eu tivemos três filhos bem diferentes um do outro. O mais velho, Elias/ Eliahu, economista (UFMG), é rabino pelo Chabad e pela Rabanut Rashit de Israel, tem três filhos e mora em Rehovot, onde estudou Halacha por cinco anos no Colel do rabino Aharonson e estudou também a arte de stam sofrer/ escriba. Ariel é administrador (IBMEC), permaneceu no Brasil, se casou, tem dois filhos e é responsável pelas livrarias Leitura das regiões de Recife e João Pessoa, onde morou por muitos anos. Alon, o caçula, estudou teatro e Ensino de Teatro no Seminar Hakibutzim, trabalhou com eventos no restaurante Claro no Sarona e com iluminação de teatro em Tel Aviv, é também professor de Hebraico.
Assim, há mais de 40 anos, desde que conheci meu marido naquela manhã de 16 de janeiro de 1983 em Cochabamba, encontrei a outra metade da minha vida, as duas indissociáveis, uma via de mão dupla: em Israel, sinto falta do Brasil, no Brasil, sinto falta de Israel...
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Texto de Raquel Teles Yehezkel
para a revista Bras.il
Tel Aviv, 31.5.2021
Atualizado em 4.11.2024
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Raquel Teles Yehezkel no Instituto Guimarães Rosa Tel Aviv |